*A presidência breve
Sete meses na montanha-russa
O governo de Jânio
tangenciou o penhasco com perturbadora frequência, alternando freadas
bruscas com acelerações vertiginosas. O abandono prematuro do governo
foi uma das cenas desse mesmíssimo roteiro
Em
1° de fevereiro de 1961, 24 horas depois da posse de Jânio, a
maioria oposicionista no Congresso ameaçou-o com a convocação de uma
sessão especial da Câmara e do Senado caso continuasse hostilizando o
antecessor. O novo presidente reagiu com a criação de cinco
comissões de
sindicância, chefiadas por militares e incumbidas de investigar “focos
de corrupção” que dizia ter herdado de JK. Nos 204 dias seguintes, o
Brasil viajou numa montanha-russa monitorada por um quarentão que
obedecia a impulsos ditados pelo instinto. Sempre dera certo.
Tangenciando o penhasco com perturbadora frequência, alternando freadas
bruscas com acelerações vertiginosas, entre uma crítica a Juscelino e
um ataque ao Poder Legislativo, Jânio aumentou de seis para oito horas o
expediente dos servidores públicos, tornou obrigatório o cartão de
ponto, exonerou todos os contratados nos cinco meses anteriores,
suspendeu nomeações por um ano, reduziu o orçamento das Forças Armadas e
o soldo dos militares em serviço no exterior, diminuiu o número de
funcionários em todas as embaixadas, tabelou o preço do arroz e do
feijão, solidarizou-se com
Fidel Castro no episódio da invasão de Cuba
financiada pelos Estados Unidos, baixou medidas de combate ao monopólio,
desvalorizou a moeda, determinou ao Itamaraty que apressasse o
restabelecimento de relações diplomáticas com a União Soviética, proibiu
biquíni na praia, maiô em
concurso
de miss, lança-perfume, corridas de cavalo em dias úteis, veiculação de
comerciais no cinema e brigas de galo, ordenou a prisão de um general
que presidira a Petrobras e tirou do ar por três dias a Rádio JB para
puni-la por críticas ao governo, mobilizou o Exército para reprimir uma
greve de estudantes em Recife, brigou com a UDN, afastou-se dos demais
partidos que tentavam ampará-lo, instituiu o governo itinerante,
regulamentou a remessa de juros para o exterior, enviou o vice João
Goulart à China em missão oficial, condecorou
Che Guevara e rompeu com
Carlos Lacerda.
No 207° dia de governo, renunciou à Presidência da República.
As decisões histriônicas e as decisões sérias de Jânio Quadros
Em Brasília, Jânio alimentou sua inclinação por medidas
idiossincráticas, exageradas e muito esquisitas. Por outro lado, o
presidente fez decretos de algum bom senso para aquela época
1.Brigas de galo
4 de novembro de 1959 - Apostadores em rinha de galo em São Paulo aguardam o começo da briga
Em 18 de maio de 1961, Jânio decretou a proibição das rinhas em todo o
país. Em um tempo em que o politicamente incorreto inexistia e os
cuidados com animais soavam como bizarrice, o veto virou manchete de
jornal. E também provocou gritaria: o esporte de péssimo gosto
movimentava uma dinheirama em aposta.
2. Hipnotismo
1º de outubro de 1959 - Pessoas em
profundo sono hipnótico durante espetáculo no Colégio Diocesano, em São
Paulo, promovido pelo irmão marista Vitricio, a maior autoridade
brasileira em letargia
Decreto de 22 de julho de 1961. No início dos anos 60, os espetáculos
de mesmerismo faziam imenso sucesso. Jânio resolveu proibi-los para
impedir o uso falsamente medicamentoso dos truques. O problema é que
ninguém estava muito interessado no assunto.
3.Concurso de miss
8 de junho de 1961 - A Miss Brasil
Staël Maria Rocha Abelha posa de maiô acompanhada de outras misses no
último concurso antes da proibição de Jânio
Moralista e mulherengo, o presidente decidiu que as participantes dos
concursos de beleza não podiam se apresentar em "trajes de banho, sendo
tolerado o uso de saiote". A regra nunca foi aplicada, embora tenha sido
revogada apenas em 1991. Para fazê-la funcionar, foi criada a polícia
de costumes, outro exotismo dispensável da era janista.
4.Preservação ambiental
Década de 50 - Integrante da
expedição Roncador-Xingu, organizada pelos irmãos Villas Boas, entrega
roupas para índios cuicuru na região do Alto Xingu.
Num ato pioneiro de cuidado com o ambiente, Jânio criou vários parques
nacionais e reservas florestais. O Parque Nacional do Xingu foi o
primeiro nascido com a ideia de preservar a "área como reserva florestal
e campo de estudo de riquezas naturais brasileiras", em 14 de abril de
1961.
5.Política externa independente
1° de janeiro de 1961 - Mao tsé-Tung
aproveita para descansar enquanto viaja de trem para a Montanha de
Lushan. O comunista chinês recebeu o vice-presidente João Goulart quando
de sua viagem oficial à China. Jango esteve lá quando Jânio renunciou
Jânio resolveu retomar as relações com a China, que estavam
estremecidas desde a instalação de Mao tsé-Tung no poder, em 1949. A
aproximação com a China e outras nações comunistas, como Cuba e a antiga
União Soviética, fazia parte do plano de política externa independente,
coordenado pelo ministro das Relações Exteriores Afonso Arinos, que
procurava estabelecer relações comerciais e diplomáticas com todas as
nações.
6.Restrições econômicas
7 de maio de 1961 - O ministro da
Fazenda, Clemente Mariani, foi o grande responsável pela implementação
das medidas econômicas do governo janista
Na tentativa de equilibrar a balança comercial, Jânio acabou com
subsídios ao câmbio que beneficiavam determinados grupos econômicos
importadores. O presidente também limitou e regulamentou a remessa de
lucros para o exterior das empresas multinacionais, ideias de seu
ministro da Fazenda, Clemente Mariani.