Fonte: Veja.abril
* Retórica
A coreografia de um gênio do palanque
Ao personagem popular, de cabelos desalinhados e terno amarrotado, somavam-se discursos inteligentes, nos quais enfileirava raridades gramaticais pinçadas dos desvãos do dicionário
17 de julho de 1961 - Jânio discursa em inauguração da Escola de Metalurgia, em Volta Redonda, no Rio de Janeiro
"Naquele Brasil em que a televisão ainda engatinhava, os comícios eram
uma espécie de novela das 8 e os principais atores políticos, tão
populares quanto as estrelas da Globo hoje. Nenhum fez tanto sucesso
quanto Jânio Quadros em 1960. Durante a temporada eleitoral, o candidato
à presidência protagonizou em centenas de cidades apresentações em que
se revelou um gênio do palanque.
A coreografia e o roteiro se repetiram em todos os comícios. Ele
chegava no fim da festa, suando sob o terno de suburbano salpicado pela
caspa e empunhando um sanduíche que simulava a falta de tempo para
refeições normais. Convocado pelo locutor, passeava o olhar estrábico
pelo oceano de vassouras antes de começar o discurso, sempre melhor na
forma do que no conteúdo.
Sem cometer um único erro gramatical, enfileirava mesóclises e
ênclises, abusava dos pronomes oblíquos e colecionava raridades pinçadas
dos desvãos do dicionário para comunicar que chegara a hora de
enquadrar os corruptos, os maus funcionários públicos, os empresários
gananciosos, os adversários em geral e o presidente da República em
particular. Dado o recado, Eloá se aproximava para, abraçada ao marido,
endossar em silêncio a fala de encerramento.
“Minha mulher pediu-me que dirigisse as últimas palavras à mulher
brasileira, a verdadeira dona da vassoura”, sublinhava o sotaque
inconfundível. “Àquela que sofre no trabalho permanente do lar, que deve
equilibrar as contas de salários de miséria.” Encerrado o espetáculo,
as eleitoras exibiam o sorriso de quem descobrira que, olhando bem,
Jânio Quadros, além de tudo, não era tão feio quanto diziam.
Para o povo
No dia da posse, uma multidão se reuniu na Praça dos Três Poderes, em frente ao Palácio do Planalto, para ouvir a despedida de JK e receber o novo presidente
No dia da posse, uma multidão se reuniu na Praça dos Três Poderes, em frente ao Palácio do Planalto, para ouvir a despedida de JK e receber o novo presidente
Na posse, momento acompanhado por todo o país, Jânio foi mais Jânio do
que nunca. Dois dias antes da cerimônia, Oscar Pedroso Horta, ministro
da Justiça do presidente eleito, contou ao poeta Augusto Frederico
Schmidt que o novo presidente pretendia responsabilizar JK por
entregar-lhe “um país falido, um vendaval de insânias e um reinado de
nepotismo”. Ao ouvir a informação, Juscelino prometeu reagir com um soco
no rosto do desafeto.
Da mesma forma que o primeiro, feito no Congresso, o segundo discurso
do dia, depois da transmissão da faixa presidencial, não fez referências
a JK. Jânio só cumpriu a promessa à noite, num pronunciamento de 40
minutos em cadeia nacional de rádio. O agredido já não podia reagir. A
bordo de um avião, cruzava o Atlântico em direção à Europa. "
Da Revista VEJA
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