"Foi o maior erro que cometi"
A confissão tardia, pouco
antes da morte, não absolve Jânio. Com a desistência abrupta, a
democracia brasileira começou a agonizar em 25 de agosto de 1961
Agência Estado
|
25 de agosto de 1961 - Jânio Quadros acena do carro no qual segue para a Base Aérea de Brasília após a renúncia |
Irritado com o discurso em que Carlos Lacerda o acusara de tramar um
“golpe de gabinete”, Jânio Quadros atravessou sem dormir a madrugada de
25 de agosto. E desceu para o café da manhã com Eloá, ao lado da piscina
do Palácio da Alvorada, resolvido a tirar o sono do Brasil. Ao
erguer-se da mesa, sobressaltou a primeira-dama com outra frase
dramática: “A conspiração está em marcha, mas vergar, eu não vergo!”.
Chegou ao Planalto às 6 horas, convocou os chefes da Casa Civil e da
Casa Militar para uma reunião de emergência e, acariciando o bigode de
dono de botequim, surpreendeu-os com a manchete da próxima edição de
todos os jornais: “Comunico aos senhores que renuncio, hoje, à
Presidência da República”.
Foi para o desfile do Dia do Soldado, convocou os três ministros
militares para um encontro no Planalto e deixou-os atônitos com a
notícia. Replicou aos apelos para que mudasse de ideia com outro
palavrório solene, encerrado com a identificação do culpado: “Ajustem o
novo Brasil às exigências do Brasil novo. Com esse Congresso, eu não
posso governar”. Ordenou ao ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta,
que entregasse a carta redigida seis dias antes ao presidente do Senado,
Auro de Moura Andrade. Na hora do almoço, embarcou rumo à Base Aérea de
Cumbica para a demorada escala que precedeu a partida para a Europa a
bordo de um navio cargueiro. No dia 26, o país mergulhou na crise
provocada pelo veto militar à posse do vice João Goulart.
Notícia urgente
Boletim extraordinário do Repórter Esso, o programa de jornalismo mais famoso da época, comunica a renúncia de Jânio
“Foi o maior erro que cometi”, confessou ao neto Jânio John meses antes
da morte. “Com a renúncia, pedi um voto de confiança à minha
permanência no poder. Imaginei que o povo iria às ruas, seguido dos
militares, e que seria chamado de volta. Deu tudo errado.” O grande
intuitivo naufragou ao
peso
de equívocos bisonhos. Auro de Moura Andrade informou que a renúncia é
um ato de vontade unilateral e empossou o presidente da Câmara.
Preocupados com Jango, os militares esqueceram Jânio. E o povo só
poderia ser mobilizado por um partido janista que o líder jamais
permitiu que existisse.
Três anos mais tarde, o golpe que derrubou Goulart e varreu a liberdade
confirmou que a democracia, ainda em sua infância, começou a agonizar
em 25 de agosto de 1961.
O relato da jornada que mudou o Brasil
Momento a momento do 25 de agosto de 1961
|
5h |
Jânio telefonou para Quintanilha Ribeiro, chefe da Casa Civil. As
ligações foram constantes desde que ouvira pelo rádio a denúncia de
Carlos Lacerda de que ele estaria articulando um golpe de estado. O
presidente disse a Quintanilha que havia tomado uma decisão. Pediu que
convocasse o general Pedro Geraldo, chefe da Casa Militar, e que ambos o
encontrassem às 6 horas, no Planalto. |
5h20 |
Tomou o café da manhã ao lado de Eloá enquanto lia o Correio
Braziliense. Conversou por telefone com Oscar Pedroso Horta, ministro da
Justiça. Ao desligar, dobrou o jornal, levantou-se e proferiu uma frase
dramática: “A conspiração está em marcha, mas vergar, eu não vergo!”. |
6h |
No Palácio do Planalto, comunicou a Quintanilha Ribeiro e a Pedro
Geraldo que renunciaria à Presidência da República. Em seguida, ligou
para Eloá e lhe pediu que preparasse as malas, porque deixariam Brasília
naquela manhã. |
8h |
Participou da cerimônia do Dia do Soldado
O ÚLTIMO ATO OFICIAL
Cinejornal mostra Jânio em seu último ato como presidente
|
10h |
Retornou ao Palácio do Planalto e convocou uma reunião com os
assessores civis e os ministros militares. Comunicou a renúncia e
entregou a carta destinada ao Congresso. |
10h30 |
Deixou o Palácio do Planalto e encontrou Eloá no Palácio da
Alvorada. A primeira-dama já estava na porta, com as malas na mão. |
11h |
Embarcou para São Paulo. Na escada do avião, testemunhas o ouviram dizer: “Cidade amaldiçoada, espero nunca mais vê-la”. |
13h |
A renúncia foi noticiada pelo Repórter Esso. |
13h30 |
Chegou à Base Aérea de Cumbica, em São Paulo, depois de passar
trinta minutos estacionado na pista de Congonhas para o reabastecimento
do avião. Ficou 22 horas na residência do comandante da base, coronel
Roberto Faria Lima. |
14h |
Uma multidão saiu às ruas de São Paulo em busca de mais notícias sobre a renúncia. |
15h |
O deputado Dirceu Cardoso leu a carta de renúncia na Câmara. |
15h15 |
O senador Auro de Moura Andrade recebeu o ministro Oscar Pedroso
Horta em seu gabinete e tomou conhecimento da decisão de Jânio. |
15h40 |
Moura Andrade interrompeu o orador na tribuna, o senador Nogueira
da Gama. Os trabalhos foram suspensos. Uma sessão extraordinária foi
convocada para dali a uma hora. |
16h55 |
Moura Andrade abriu a sessão extraordinária do Congresso. O
presidente do Senado leu os documentos da renúncia e convidou os
presentes a comparecerem à posse do presidente da Câmara, Ranieri
Mazzilli, às 17 horas, no Palácio do Planalto. Participaram da sessão 46
senadores e 230 deputados.
LEITURAS NO CONGRESSO
O presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, comunicou a renúncia
e fez a leitura de um trecho da carta com as explicações de Jânio
Comunicado da renúncia
Leitura de carta
|
17h05 |
Moura Andrade encerrou a sessão extraordinária. |
17h15 |
Ranieri Mazzilli foi empossado presidente interino. |
17h45 |
Sentado ao lado da mulher no Aeroporto de Cumbica, Jânio murmurava,
insistentemente, a mesma frase: “E o povo, onde está o povo que não se
levanta?”. |
18h |
Tropas ocuparam a Esplanada. Para garantir a posse de Jango,
começou a Campanha da Legalidade, liderada pelo governador gaúcho Leonel
Brizola. |
|
|
|
|
|
|
|
|
| | | |
Nenhum comentário:
Postar um comentário