Se a festa acabou e José não sabia o que fazer, o mesmo não acontecia com Carlos Drummond de Andrade, seguramente um dos maiores poetas brasileiros e da língua portuguesa.
Ele sabia. E bem. E não era só de poesia. Também de prosa. E de amores, inclusive o que escondeu por anos e para quem fez belíssimos poemas de amor.
Nesse dia - 31/10 - , foi instituído o Dia D - Dia de Drummond, quando o Instituto Moreira Salles promoverá diversas atividades em todo país como leitura de poesias em livrarias, museus, exibição de filmes e programas dedicados a autor de A rosa do Povo.
O objetivo é promover e difundir a sua obra. Para isso, convida parceiros e amigos para comemorar a data, em todo o Brasil, a partir deste ano.A nostalgia do poeta é experimentada pela legião de leitores que até hoje reverenciam sua vasta produção literária, composta de poesia, prosa, crônicas e contos. Homenagens ao poeta ocorrerão em vários pontos do país (infelizmente em Porto Velho nada foi programado).
Além da programação em alguns estados brasileiros foi desenvolvido um site especial para as festividades. Através do endereço www.diadrummond.com.br, o leitor encontra um mecanismo especial de interatividade.
Em sua página da internet a campanha pede: "Nas escolas, universidades, livrarias, bares, museus, TVs, rádios, centros culturais e mesmo em solidão, não importa onde e como, que todos se lembrem de festejar Drummond e a sua poesia."
Hoje Drummond completaria 109 ano se vivo ainda fosse.
Apesar de ter se formado em farmácia na cidade de Ouro Preto (MG), em 1925, Carlos Drummond sempre teve afinidade com as letras. Fundou com outros escritores ‘A Revista’, que, apesar de vida breve, foi importante veículo de afirmação do modernismo em Minas. Em 1954 colaborou como cronista no ‘Correio da Manhã’. A partir de 1969, o futuro poeta começou a escrever para o ‘Jornal do Brasil’.
Entre suas obras principais destacam-se: ‘Alguma poesia’ (1930) e ‘Brejo das alma’s (1934). Em ‘Sentimento do mundo’ (1940), em ‘José’ (1942) e sobretudo em ‘A rosa do povo’ (1945), Drummond lançou-se ao encontro da história contemporânea e da experiência coletiva, participando, solidarizando-se social e politicamente, descobrindo na luta a explicitação de sua mais íntima apreensão para com a vida como um todo.
Leia Drummond, você vai amá-lo...
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do -bigode,
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Do livro Alguma poesia (1930)
Cada estrofe do poema acima representa uma face - ou seja, Poema de 7 faces
* a 1ª estrofe representa o nascimento - um eu-retorcido,tempo psicológico,lembranças de sua vida;
* a 2ª estrofe apresenta o espaço;
* a 3ª estrofe representa as pessoas que se encontram nesse espaço;
* a 4ª estrofe - a visão que os outros têm do eu-lírico;
* a 5ª estrofe - sua relação com Deus;
* a 6ª estrofe - sua relação com o universo;
* a 7ª estrofe - relação consigo mesmo.
Ausência
Por muito tempo achei que a ausência é falta.E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais
de mim.
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundoque amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história
Veja alguns poemas de Drummond:
E AGORA MARIA
ResponderExcluirA Carlos Drummond de Andrade
João que amava Maria
Que amava José
Que amava uma qualquer
João fez um poema pra Maria
Que fez um doce pro José
Que deu o doce pra qualquer
José não gostava de doce
Não gostava de Maria
E era amigo de João
Que fez uma canção pra Maria
Que fez um peixe pro José
Que tinha ido pescar no mar
E sonhar por uma qualquer
A biquara ficou na barraca
E foi degustada com garapa de cana
Em cima da cama de taquara
Pela linda mameluca qualquer
Que ficou a noite olhando estrelas
E tomando banho de luar
Escutando as ondas do mar
Esperando pela jangada de José
Maria fez um doce de mamão
Com cravo anis e coração
Fogão de barro e colher de pau
Panela de bronze e brasa de carvão
Nem pensou no apaixonado João
Apenas na sua louca paixão
José nem soube da biquara
Nem da sobremesa de mamão
Quando chegou tão cansado
Com tantos peixes pescados
Descalço cansado mas com tesão
Pescou sua qualquer nua
Jogando-a no colchão
Deixando o caniço de pescar
Os pescados o arpão e o facão
Espalhados pelo chão
Qualquer ainda quis falar do doce
Mas José a trouxe por entre as coxas
Parecia uma foice afiada amolada
Devastando a plantação
João pensava na Maria
Que sonhava com José
Que dormia entre os seios
Da linda ameríndia qualquer
Que era mal falada na aldeia
Maldita pelos irmãos
Pelo padre da igreja
Pelo diretor da escola
Por João amigo de José
Que nem ligava pra Maria
Era louco pela qualquer
Que era boa de cama
Preparava uma moqueca de arraia
Tecia um cigarro de palha
Assava um peixe na brasa com escama
Pisava uma paçoca no pilão
E amava José de todo coração
João falava de qualquer
José nem escutava
Maria amava José
José nem ligava
Só pensava no mar azul
E amar sua qualquer
João ficou sem Maria
Maria sem José
E José terminou seus dias
Nos braços de uma qualquer.
Luiz Alfredo
poeta
* Poema publicado na Coletânea de Poesias: Semana do Servidor da UFC 27 a 31 de outubro de 2009. Universidade Federal do Ceará. Coletânea de Poesias. Elizio Ayres Cartaxo {organizador}. Fortaleza: Cartaxo Fotolito Laser, 2009. pp. 61-62.
Uma pedra no meio
ResponderExcluirA Carlos Drummond de Andrade.
Uma pedra havia no meio
Para atrapalhar meu caminho
Caminho que tinha uma pedra
Bem no meio
Esquecer este fato é difícil
A existência cansada dos meus olhos tristes
Nunca deixaram de vislumbrar
Esta sólida lembrança
Quase intransponível no meu ser
Aquela pedra bem no meio do caminho
O caminho com uma pedra no meio
Havia uma pedra no caminho
Bem no meio.
Luiz Alfredo - poeta
Amei seus poemas Luis Alfredo.Uma bela homenagem de um grande poeta a um grande poeta.Parabéns!
ResponderExcluirAmo esta página neste blog, por preparar o estudante para o vestibular ou enem. Como iniciá-los na poesia do Drummond. A análise literária, os poemas escolhidos e os videos estão excelentes. Obrigado pelo seu comentário. Ainda não sou um grande poeta, talvez nem poeta seja, apenas quando subo nos ombros desses monstros, pareço poeta e que sou grande poeta.Quem nesses ombros não aparenta ser grande. Amo estes poemas do Drummond - ofereço este, pra você e aos estudantes:
ResponderExcluirUma vilazinha qualquer
A Carlos Drummond de Andrade
E a antiga Vila de Calama.
Ocas entre mandiocais
Cunhãs entre açaizeiros
Roçados paixões toadas
Um caboclo vai molemente
Um vira-lata vai molemente
Um jumento vai molemente
Molemente os alpendres espiam
Voti que vida, meu Pai do céu.
Luiz Alfredo – poeta.
Bandeirinhas de Volpi
ResponderExcluirPoemas de Manoel Bandeira
Lembranças de Manaus
E de PV
E mesmo tendo que pagar
A conta de luz
E ir ao dentista
Sou feliz – muito feliz
E nem tenho o amor dela
Não tenho nenhuma Yoko
Nem uma Gabriela
Mas o eterno está em mim
E eu mesmo aos pedaços
Estou nele
Mesmo não sabendo rezar
Nem escrever poemas
Balbucio um Cartola
E leio uns versos do Neruda
E vou deambular nas praias
Do Ceará
E beber orvalhos no luar
Ler Francisco Carvalho
Beijar meu realejo
Acariciar alguns acordes
Na minha viola
Sou muito feliz
Pois tenho uma cadela
E os poemas do Drummond
Comi arroz doce com canela
Tomei uma proibida na janela
Li uma poesia de Manoel de Barros
Bel doutra de Francisco Miguel
E o amanhã está mui belo.
Luiz Alfredo - poeta