domingo, 30 de outubro de 2011

Quilombolas da Amazônia ganham voz com Lúcia Andrade

JAIME GESISKY
Fórum Amazônia Sustentável
Belém e São Paulo
Não bastou terem sido reconhecidas legalmente na Constituição de 1988. As comunidades quilombolas existentes no Brasil padecem ainda hoje da falta de políticas públicas que lhes garantam o modo de vida tradicional. Devido ao seu estilo de vida, ligados à terra, essas comunidades ajudam a preservar parte da florestas brasileiras, sobretudo na Amazônia, onde existem 77 terras quilombolas tituladas. Ali, no meio da floresta, essas comunidades,  invisíveis ao resto do país, sofrem com o avanço de empreendimentos hidrelétricos e minerários.
Um livro que acaba de ser lançado pela Comissão Pró-Índio (CPI-SP) rompe o silêncio e ajuda os quilombolas da Amazônia a vocalizar em defesa de seus direitos. A autora da pesquisa que deu origem ao livro Terras Quilombolas em Oriximiná: Pressões e Ameaças, Lúcia de Andrade (foto abaixo), coordenadora executiva da CPI-SP, faz aqui uma análise da situação dessas comunidades amazônicas.
A impressão, no senso comum, é de que quando se fLúcia de Andrade ala de povos tradicionais na região amazônica, falamos apenas de indígenas, ribeirinhos, extrativistas. Qual é o quadro geral dos quilombolas na região? Por que eles padecem de tanta invisibilidade?
De fato, a realidade das comunidades quilombolas no Brasil, e na Amazônia particularmente, ainda é pouco conhecida.  Não contamos sequer com um censo da população quilombola no Brasil. Trabalhamos com estimativas que indicam a existência de cerca de 3.000 comunidades no país. Pode-se dizer que parte dessa invisibilidade e falta de reconhecimento de direitos advenha de ideia comum na nossa sociedade que os quilombos teriam acabado com o fim da escravidão. O que não foi absolutamente o caso: os quilombolas continuaram resistindo e mantendo o seu modo de vida nas terras conquistadas em todas as regiões do Brasil. É bom lembrar que o reconhecimento dos direitos territoriais das comunidades quilombolas é relativamente recente uma vez que se deu apenas na Constituição de 1988. Até essa data, as comunidades quilombolas simplesmente não existiam na nossa legislação e perante o poder público.  Um dos objetivos do livro que a CPI-SP lança agora é justamente é contribuir para dar maior visibilidade às comunidades quilombolas e evidenciar a sua contribuição para a proteção das florestas.
Qual a participação desses povos remanescentes de quilombos na conservação da floresta?
Na região da Amazônia Legal, encontram-se 77 terras quilombolas já tituladas, o que representa 71% de todas as terras quilombolas já regularizadas no Brasil. São cerca de 630 mil hectares já titulados na Amazônia onde vivem 144 comunidades quilombolas.  As comunidades com terras regularizadas, no entanto, são ainda a minoria. Para ser ter uma ideia, na região da Amazônia Legal temos mais de 400 comunidades com processo para titulação de suas terras tramitando no Incra. O que o estudo indicou foi o alto grau de conservação das florestas nas terras quilombolas. Considerando os oito territórios estudados, verificamos que a área desmatada corresponde a 1% da sua extensão total. Os estudos com imagens de satélite evidenciaram também que as terras quilombolas nesse município da Amazônia formam uma “barreira” ao desmatamento que avança em sua direção.
O estudo revela que as terras desses povos encontram-se sob ameaça. Qual a situação que a senhora encontrou ao fazer a pesquisa?
A pesquisa identificou diferentes ameaças entre elas os interesses minerários: são 94 processos minerários incidentes nas terras quilombolas entre solicitações e processos autorizados. Quatro dos territórios quilombolas têm mais de 70% de sua extensão sob interesses minerários. Nesse momento, não há exploração mineral dentro das terras quilombolas, mas os quilombolas já sofrem os impactos da exploração da bauxita que é realizada em áreas vizinhas aos seus territórios. Outro exemplo de ameaça são os estudos para a construção de 15 empreendimentos hidroelétricos em rios que cortam os territórios quilombolas: 13 deles contam com estudos de inventário; um com estudo de viabilidade e um com projeto básico. Segundo o “Plano Nacional de Energia 2030”, a área total a ser inundada por tais hidroelétricas soma 5.530 quilômetros quadrados abrangendo terras quilombolas, terras indígenas e unidades de conservação.
A ausência de consulta prévia a essas comunidades tradicionais é similar ao que se vê com outros povos da floresta?
Infelizmente essa é a realidade para os quilombolas também. O livro mostra diversas situações em que as comunidades não foram consultadas sobre projetos que lhes afetavam diretamente. Identificamos também consultas que não podem ser caracterizadas como consulta livre, prévia e informada, uma vez que não se garantiu o acesso a toda a informação nem tampouco o tempo necessário para que a comunidade pudesse amadurecer a sua decisão. O governo leva anos para realizar seus estudos e tomar as suas decisões e espera que os quilombolas tomem as suas decisões em uma reunião de poucas horas de duração.
Como é a situação das políticas públicas para os quilombolas da Amazônia – se é que existem efetivamente?
Em nossa opinião não existem políticas públicas para os quilombolas na Amazônia, pensando em políticas mais amplas e duradoras. O que existem iniciativas pontuais que estão longe de atender a demanda dos quilombolas.  O objetivo do nosso estudo foi justamente chamar a atenção para essa lacuna e a importância de se pensar, criar e implantar tais políticas.
Qual a mensagem que o estudo deixa para o Brasil?
Esperamos que o estudo ajude a consolidar o entendimento que a  garantia das terras quilombolas além de ser fundamental para essa população, é também uma estratégia de promoção da conservação dos recursos naturais e da biodiversidade da Amazônia.
NOTA DO EDITOR
 
Com a morte do líder comunitário Jesus de Oliveira, em 20 de maio de 2011, a comunidade quilombola em Seringueiras também exige a intervenção do governo, para evitar que a cobiça madeireira passe sobre os direitos daquela gente.

EM SERINGUEIRAS, TERRA QUILOMBOLA AMEAÇADA

A Q U I


SAIBA MAIS DO TRABALHO DE LÚCIA DE ANDRADE

AQUI

Um comentário:

  1. Olá educadora Soniamar, desejo que tudo permaneça bem contigo!

    Vergonhoso, e isto para dizer o mínimo. Em um país com esta extensão, pessoas que tem condições de sobreviver em qualquer parte ficar expulsando indígenas e quilombolas de suas terras, terras estas que eles conhecem como sua casa, e tudo isto pela simples ganância de possuir mais, e mais, E para piorar os que deveriam fazer valer a carta magna desta nação são os primeiros a tal prática, pois são proprietários de extensas terras. Alguém disse um dia que a liberdade somente se completa quando reconhecida em sua plenitude!
    Sendo não é exagero dizer que tanto os indígenas quanto os quilombolas jamais foram incluídos no resultado da frase de D. Pedro às margens do Ipiranga!
    Desculpe, mas é difícil ficar indiferente sabendo que os hipócritas pregam um Brasil de todos, quando na verdade é de poucos afortunados, e de quem pagar mais!
    Parabéns pela postagem, deveras informativa, o que prova que tem pessoas que querem e fazem tudo para ajudar outros apenas auferem os lucros que nunca lhe pertenceram!
    Agradecido eu sempre por cá venho, por tuas sempre gentis visitas e comentários eu deixo também meu desejo que você e todos ao redor tenham um intenso e feliz viver, abraço e até mais!

    ResponderExcluir