"Conto o que a memória alcança", escreve o narrador de Órfãos de Eldorado, quarto livro do amazonense Milton Hatoum, considerado por muitos o principal romancista brasileiro em atividade. Nesse passeio até o lugar que a memória chega, acompanhamos a narrativa pouco confiável de Arminto Cordovil (a começar pelo nome), um homem tido como louco em sua solidão e velhice. A um interlocutor desconhecido, ele relata o seu passado de riqueza, desagregação familiar e amores mal resolvidos.
Filho de um rico empresário do ramo da navegação no Amazonas, Arminto tem uma relação fria com o pai, Amando, que o culpa pela morte da mãe. No seu relato, conta que foi educado por uma criada, Florita - fato que provoca a separação definitiva com o pai. Depois da morte de Amando, o rapaz se encontra entre uma empresa enorme e problemática e a paixão pela interna de um convento, a misteriosa Dinaura. E vê tudo ruir.
Órfãos do Eldorado é inspirado no mito amazônico da cidade encantada de Eldorado, um paraíso que existiria no fundo de algum dos rios da região, segundo lendas locais. Na curta (100 páginas) novela de Hatoum, Eldorado é também um barco da companhia da família Cordovil que afunda e leva a firma à falência. Os dois Eldorados - o fictício, que representa um lugar ideal, e o real, uma grande tragédia material - constituem uma presença forte na vida dos personagens, em sua busca pela felicidade. Uma busca sempre frustrada, pois o percurso que leva ao idílio da cidade desaparecida (representada pelo amor romântico e pela harmonia filial) exige a provação de uma catástrofe. Arminto, em sua narrativa repleta de lacunas e pontos obscuros, torna-se refém dessas contradições de Eldorado.
Escritor Político
Mesmo sem tratar diretamente de partidos ou das minúcias do poder, Hatoum mostra que é o mais político de nossos escritores contemporâneos. Sua política está na ambigüidade das relações humanas, nos jogos de interesse, nos afetos tão difíceis de demonstrar e de receber, no egoísmo e na entrega. Órfãos do Eldorado não é seu melhor livro, mas sintetiza com perfeição a sua obra ao unir o mergulho no passado de Relato de um Certo Oriente (1989), os conflitos familiares de Dois Irmãos (2000) e o desencanto para com os rumos do país de Cinzas do Norte (2005), além da profunda ligação com a tradição oral que permeia os três. A escrita mais direta que a dos anteriores, a curta duração e as cenas intensas e simbólicas apenas aumentam o poder da novela. E confirmam Hatoum bem à frente de seus companheiros de geração.
Conheça mais Milton Hatoum: http://www.hottopos.com/collat6/milton1.htm
muito bom seu blog
ResponderExcluirparabéns =)