domingo, 7 de agosto de 2011

MATA VIRGEM,TERRA PROSTITUTA - Januário Amaral


Sinopse - Mata Virgem Terra Prostituta - Januário Amaral

Os múltiplos mitos, as variadas percepções e comportamentos em torno da antiga relação homem/natureza, os constantes conflitos e arranjos entre os diferentes atores sociais em um projeto de colonização em Rondônia constituem o pano de fundo do livro, resultado do trabalho de dissertação de mestrado em Geografia defendida pelo autor na USP, no início dos anos 90. Uma década depois, é possível constatar que as previsões mais sombrias feitas para o projeto de colonização “Sidney Girão” foram confirmadas para praticamente todos os outros projetos implantados no Estado. Formou-se uma seleta minoria de agricultores bem sucedidos, acompanhada da expropriação de outra parcela de colonos, posseiros, meeiros, agregados e dos índios, mostrando um progressivo e significativo envolvimento do capital comercial e financeiros na compra da terra e no direcionamento da produção.


 O Capítulo I do livro trata das complexas relações entre as várias dimensões constituintes do processo de colonização da Amazônia. A variação das atividades para ocupação da região amazônica, de acordo com Amaral (2004, p.42), foi assim caracterizada:
[...] primeiramente o que podemos denominar de uma ocupação pontual, na fase do Brasil colônia; em seguida, com início no século passado e primeira metade desse século, temos uma ocupação de caráter linear e beiradeira, norteada pelo extrativismo do látex das seringueiras nativas; e recentemente, após década de sessenta, deu-se uma ocupação interfluvial dando início ao ciclo de colonização agrícola, dos projetos agropecuários, minerais, minério-metalúrgico e de hidroelétricas.
A inserção da Amazônia no contexto nacional como prioridade de governo só realmente efetivou-se quando se rompeu o isolamento econômico e social através de medidas político-administrativo, e a colonização passa a ser essa ação governamental apresentada pelos militares brasileiros, objetivando a modernização do país. O que na realidade se queria era amenizar a situação de conflito que estava prestes a estourar na Região Centro-Sul do país, fazendo com que a migração das massas camponesas dessa região para a Região Norte cedesse espaço à agricultura mecanizada e empresarial.

A conquista efetiva da Amazônia pelos portugueses teve início no séc.XVII com o propósito de reconquistar o território então ocupado por ingleses e holandeses estabelecidos no baixo Amazonas.

O Capítulo II reconstrói a questão da colonização agrícola no movimento de expansão das relações capitalistas.São analisadas as condições econômicas,jurídicas,políticas e sociais que tornaram Rondônia um espaço geográfico privilegiado pelas agências governamentais para promoção da colonização agrícola de caráter oficial. Entende-se que a colonização agrícola de novas terras tem sido a forma institucional de expansão das relações capitalista da Amazônia.É sintomático,entretanto que o processo de colonização não ocorra isoladamente.Ele é a “franja” de um sistema no qual está inserido.Segundo Hébette e Acevedo, a colonização “(...) se manifesta como instrumento ideológico a serviço de interesses que não declarados,que não têm nada em comum com o interesse dos colonos,e que despontam de meios e ambientes bem distantes da área de colonização(1979,p.152)”

A ocupação de Rondônia, a partir da década de 70,foi efetivada via BR 364 (Ciabá-Porto Velho),implantada na antiga linha telegráfica construída por Rondon.Foi às margens dessa rodovia que houve a implantação de dois projetos de colonização: O PIC (Proj. Integrado de Colonização) e o PAD (Proj.Assentamento Dirigido)

No  PIC – as terras eram destinadas a famílias camponesas e com grande número de filhos;
No PAD – o colono deveria ser mais especializado do que um trabalhador rural,ou seja,deveria ter um mínimo de conhecimento agrícola,alguns recursos e experiências com relação a obtenção de crédito bancário. Mas esses projetos não foram suficientes para atender o fluxo migratório, o INCRA tornou-se impotente para distribuir e regularizar a situação das famílias e diante de tal quadro houve  a partir da década de 80 , as ocupações de terras improdutivas em várias áreas do Estado de Rondônia por parte de trabalhadores rurais sem terra.

O Capítulo III trata de reconstruir uma relação entre processo de colonização agrícola e a qualidade da relação homem/natureza que os atores sociais apresentam,como se constituiu o processo de produção material e simbólico da natureza, na área do projeto de colonização Sidney Girão. Ancorados nas relações dialéticas que são estabelecidas entre sociedade/espaço,transportadas para a dialética homem/natureza, podemos afirmar que o homem adquire inicialmente um conhecimento empírico,seguido de um conhecimento científico e técnico.É também os diferentes grupos e classes sociais locais ou originários de outras regiões,que estabelecem nas novas terras, relações de intervenção na natureza conforme seus interesses e modo de viver.É assim,percebido o ecossistema existente,ao mesmo tempo em que é construído o espaço geográfico.

O Capítulo IV é eminentemente empírico, onde se procura explicitar a questão da relação homem/natureza na ótica dos agentes sociais envolvidos diretamente no processo de colonização:os colonos e os seringueiros.Neste capítulo retoma-se,amplia-se e especifica-se a discussão do capítulo anterior delineando na prática,os diferentes processos históricos de produção da natureza em Rondônia;finalmente descreve-se e analisa-se as diferentes etapas do processo produtivo dos colonos do PIC Sidney Girão.
As dimensões,analisadas na perspectiva da colonização,constituem,na realidade, o movimento da sociedade ancorada pelo desenvolvimento das relações capitalistas que procuram expandir as relações de mercado sobre a totalidade do território brasileiro.Pelo fato do processo de colonização agrícola expressar essas dimensões,ele representa uma forma de expansão da sociedade nacional nas novas terras.Interpretar a colonização representa revelar essas dimensões.


Ainda de acordo com Prof. Dr. Januário Amaral em seu livro: Mata virgem, terra prostituta, existem, na atualidade, vários mitos,quais sejam: 

Mito da homogeneidade, que representou a região como um imenso e uniforme tapete verde, atravessado por longos e tortuosos rios. Nenhuma visão da Amazônia é mais distante da realidade. Ela abriga uma indescritível diversidade ecológica, refletida no clima, nas formações geológicas, nas altitudes, nas paisagens, nos solos, na formação vegetal e na biodiversidade. A heterogeneidade também ocorre do ponto de vista político, social e econômico. São oito países com diferentes estilos de governo e desgoverno, políticas e leis para a região, assim como ela é habitada por
uma ampla variedade de grupos humanos, que vão desde indígenas vivendo em total isolamento, até habitantes de grandes cidades.

Mito do vazio demográfico, que produziu a crença de uma região virgem, um imenso espaço vazio, ou a última fronteira da humanidade. Por este enfoque, a Amazônia é uma terra sem homens para onde os homens sem terra devem migrar, aliviando os problemas da pressão populacional nas áreas periféricas, ao mesmo tempo em que são ignorados os direitos seculares das populações que habitam a região. 

Mito da imensa riqueza e extrema pobreza, que tomando como referência a exuberância da vegetação tropical, estabeleceu a crença da fertilidade dos solos amazônicos. Somente depois de investidos e perdidos bilhões de dólares em projetos de assentamentos agrícola é que se pôde constatar que esta riqueza era apenas aparente, e que o tesouro da região está na biodiversidade do ecossistema, da flora, da fauna e do germoplasma nativo. A contrapartida desta percepção foi considerar os solos amazônicos tão pobres que tornaria impossível qualquer outra atividade que não a preservação incólume da floresta. Esta posição extremada tampouco se sustenta, dado que existem extensas faixas de solos aptos para a agricultura. 


Mito do nativo como obstáculo ou como modelo para o desenvolvimento, que justificou, no primeiro caso, extermínio sistemático destas populações, a agressão territorial e cultural ou a sua conversão ao modelo civilizatório ocidental. No segundo caso – a louvação do modelo indígena – desconheceu-se que aquelas culturas são formas adaptativas próprias àquele ambiente e que sua adoção como modelo generalizado para o desenvolvimento da Amazônia é impraticável.

Mito de pulmão do mundo, que considerava a floresta amazônica responsável pela produção de 80% do oxigênio (O2) e fixador de dióxido de carbono (CO2) e que sua destruição privaria o planeta dos seus pulmões. O mito desconsiderava tanto a importância dos oceanos de das outras regiões tropicais nesta tarefa, quanto o fato da floresta amazônica ser uma floresta madura, mantendo um equilíbrio quase perfeito entre a produção de O2 e a fixação de CO2. Por outro lado, agora que as
preocupações humanas deslocaram-se dos gases para as águas, a contribuição da Amazônia para o balanço hídrico do planeta tem sido enfatizada, dado que o rio desemboca no mar 176.000 m3 de água por segundo, representando aproximadamente 1/6 de toda a água doce levada para os oceanos.

Mito de solução para os problemas da periferia, que submeteu a região a projetos de colonização governamentais visando à expansão da fronteira agrícola, não só no Brasil como na Colômbia, Peru, Equador e Bolívia, com o deslocamento de colonos atraídos por dois outros mitos: uma terra desabitada e com solos férteis. A colonização tem sido acompanhada de construção de estradas, de cidades e de hidrelétricas. O balanço geral dos últimos cinqüenta anos de colonização é negativo: os problemas da periferia do sul-sudeste não foram resolvidos e criaram-se na Amazônia novas periferias com velhos problemas. 

Mito da Amazônia como área rural, que considera a fronteira amazônica semelhante aos movimentos migratórios que se desenvolvem no Brasil na primeira metade do século XX, com pioneiros ocupando terras livres com atividades agrícolas que paulatinamente geravam crescimento da população e da produção. Na Amazônia, a fronteira já nasceu heterogênea, constituída por frentes de várias atividades, com povoamento rural e produção agrícola relativamente modestos, e com intenso ritmo de urbanização, com o governo federal e as agências financiadoras internacionais assumindo o papel de planejador.

Mito de internacionalização da Amazônia, que surgiu como corolário dos outros mitos, da extensa agressão ambiental das últimas décadas e da inversão do conflito leste-oeste para norte-sul. A internacionalização é “confirmada” pelo mito cibernético de um mapa que consta dos livros escolares norte-americanos, com a Amazônia desenhada e identificada como área internacional.


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