"Galvez, o Imperador do Acre" conta a vida e a prodigiosa aventura de Dom Luiz Galvez Rodrigues de Aria nas fabulosas capitais amazônicas, e a burlesca conquista do território acreano contada com perfeito e justo equilíbrio de raciocínio, para a delícia dos leitores. Ambientado no fim do século XIX, mostra como o rápido avanço da revolução industrial multiplicou a demanda da borracha - motivo e fundamento do delirante boom amazônico, cujo monumento mais vistoso é Manaus, a capital da selva, a meca dos caçadores de fortuna, politiqueiros, rameiras de luxo e de outros gêneros, em suma, de visionários e aventureiros. Márcio Souza mistura com maestria dados fictícios e históricos, enredando o leitor no mundo delicioso desse andaluz de Cádiz chamado Galvez. Um audacioso amante e, segundo suas próprias palavras, "espanhol da geração melancólica". Um homem invulnerável aos golpes do destino - sejam estes emboscadas, dilúvios, doenças, canibais e flechas, amores eclesiásticos e amizades equívocas - e que funda no norte do Reino do Brasil, o efêmero império do Acre.
Visão Literária
No romance Galvez imperador do Acre, Márcio Souza, um dos romances representante do novo romance histórico no Brasil, apresenta a história da personalidade histórica citada no título partindo de dois pontos de vista: o primeiro é representado pelo próprio Galvez que narra a sua história desde a chegada ao Brasil intercalando fatos de sua história anterior a esse momento; o segundo narrador é o editor da obra que encontrou o diário de Galvez em um sebo e pretende publicá-lo com o intuito de reaver o que gastou no calhamaço.
O Galvez construído pela literatura é um espanhol mulherengo, (estabelecendo semelhanças com Dom Juan) aventureiro e que está sempre no centro das confusões. Os episódios de sua vida são decorrentes, na maioria das vezes, da bebedeira ou das amantes.
Love and Revolution
Cira não escamoteava absolutamente nada para que eu lutasse pelo seu amor. Enfrentar o imperialismo americano tendo como propelente ideológico o amor de uma mulher. E eu dizia, por favor, querida, isto não é romance de Abade Prévost! Quantas libras esterlinas temos nisso?(SOUZA, 1992, p.44)
Um dos exemplos disso é o envolvimento de Galvez na história do Acre. A literatura conta que ele só conheceu o cônsul boliviano porque estava fugindo de um marido traído e continuando essa série de eventos, é por causa de Cira (outra amante), que ele participa de uma reunião do Comitê de Defesa do Acre, e para agradá-la aceita a missão de roubar um documento que comprova o apoio americano aos bolivianos caso o Brasil entrasse em confronto com a Bolívia. Motivado pela paixão e pelo impulso Galvez dá um passo rumo a uma das maiores reviravoltas na história do Brasil.
Do momento em que Galvez “rouba” o documento e o publica, até o momento em que Galvez de fato começa a fazer parte da revolução acreana, ele vive uma série de aventuras, desde ser perseguido por policiais durante uma ópera até ter um caso com uma freira em um barco repleto de religiosos. A vida de Galvez é extremamente atribulada, mas ele ainda consegue tempo para (re) organizar uma companhia de teatro que foi desfeita por conta das confusões do próprio Galvez. Durante esse meio tempo, entre as peripécias de um aventureiro e a proclamação do Estado Independente do Acre, o protagonista vai conquistando o leitor, que se habitua ao seu jeito bem humorado de narrar e as interrupções do editor nos momentos em que julga necessário. O tom paródico e irônico do texto conduzem ao riso.
Insônia
Passei uma noite terrível. Com medo de deixar Joana na cama de folhas,decidi carregá-la para o alto da árvore. Não consegui dormi com medo que ela despencasse.(SOUZA, 1992, p. 83)
O final do romance é previsível, visto que o narrador editor já anuncia no inicio que o protagonista “no fim, morre na cama de velhice”.(Ibidem, p.13); pelo desenrolar da narrativa, não se pode esperar sucesso na empreitada do protagonista, ao contrário, é até evidente o fim trágico do Império de Galvez. Um fator interessante é a falta de conhecimento da nossa própria história, tanto que muitos só conhecem a história da anexação do Acre através do romance, ou porque leu o romance e foi pesquisar os fatos narrados ou porque simplesmente leu o romance e aceitou os fatos narrados como verídicos.
Outro aspecto relevante quanto a obra literária é que no último capítulo da terceira parte, antes da efetiva conquista do Acre, há um capítulo, aparentemente estatístico e informativo, sem marcas de autoria que revela a situação do Acre, antes da chegada de Galvez. Esses dados são comprovados pela história oficial da região na época dos fatos narrados.
A Metafísica de Aristóteles
Morriam no Acre, anualmente, oito crianças entre vinte, nos primeiros dias de vida. 20% da população ativa sofria de tuberculose. 15% de lepra. 60% estava infestada de doenças típicas de carência alimentar. 80% da população não era alfabetizada. Não havia médicos no Acre. Um quilo de café custava 0$20. 40% da borracha fina do Amazonas vinha do território acreano.(SOUZA, 1992, p.154).
De um modo geral, o romance apresenta um panorama da sociedade amazonense no final do século XVIII, época em que o comércio da borracha estava no auge e o dinheiro fluía tanto quanto o látex. É possível perceber na obra uma crítica a esse deslumbramento e desperdício causado pela abundância de capital na região, as futilidades e até mesmo as incoerências sociais são destacadas no texto de forma carnavalizada e bem-humorada.
Algumas características estruturais da obra precisam ser destacadas, tais como: a presença de dois narradores, a aparente fragmentação, a paródia de vários discursos oficiais, como atas e memorandos, os títulos de capítulos que remetem a outros textos, a interferência irônica do narrador editor, os capítulos curtos, a denominação da obra como folhetim. Todos esses aspectos acentuam o caráter social da obra e evidenciam uma visão de mundo diferente da expressa pela história, além de colocar em xeque o discurso histórico.
Concluindo
Na leitura do romance são narradas as aventuras de Luiz Galvez e, ao mesmo tempo, como é próprio do gênero burlesco, a conquista e anexação do Acre, episódio da constituição das fronteiras brasileiras e, portanto, um assunto sério, é narrada em estilo escrachado e cômico, estabelecendo-se aí a característica essencial do burlesco, que é a discrepância entre o estilo e o assunto. Além disso, reforçando o tom burlesco que marca o texto, há inúmeras passagens em que temas importantes são tratados com fingida dignidade. Se o burlesco configura-se plenamente, a caracterização da narrativa como folhetim, presente na página de rosto, não se confirma, pois o suspense, sua marca essencial, é, desde logo, rompido com a afirmação inicial do narrador: “Esta é uma história de aventuras onde o herói, no fim, morre na cama de velhice” (p. 15).
Para além da ruptura com o modelo do folhetim, a afirmação do narrador rompe igualmente com a linearidade temporal típica das narrativas históricas tradicionais.O romance tem como protagonista Luiz Galvez Rodrigues de Aria, aventureiro espanhol envolvido no movimento de ocupação das terras à época pertencentes à Bolívia, e organiza-se em torno de dois narradores, ambos em primeira pessoa: um que se coloca na pele de editor, e outro que é o próprio Galvez que, tal como ocorre no plano dos relatos autobiográficos, narra suas memórias. O narrador editor não apenas introduz e conclui a narrativa, como freqüentemente interfere no relato do narrador personagem, corrigindo-o mesmo em suas memórias, num
evidente processo de desmistificação da verdade que reivindica para si duas modalidades discursivas: a da História e a da autobiografia. Nesse sentido, ao narrar episódio em que bravamente obtivera certo documento, Galvez é interrompido pelo narrador editor, que afirma:
Perdão, leitores! Neste momento sou obrigado a intervir, coisa que farei a cada
momento em que o nosso herói faltar com a verdade dos fatos. É claro que ele
conseguiu o documento. Mas da maneira mais prosaica do mundo. (p. 45)
O mesmo narrador editor é o responsável pela natureza metaficcional que a narrativa assume em todo seu desenvolvimento, pois não são raros os momentos em que se manifesta a respeito de sua estrutura e organização. Assim, afirma ele, inicialmente, que "Esta é uma história de aventuras onde o herói, no fim, morre na cama de velhice.E quanto ao estilo o leitor há de dizer que finalmente o Amazonas chegou em 1922. Não importa, não se faz mais histórias de aventuras como antigamente.(p. 15)"
Ao mesmo tempo em que caracteriza a narrativa como história de aventuras, o narrador editor dá início à reflexão sobre o processo literário nacional, através de referência explícita ao movimento modernista, que tem, na Semana de Arte Moderna de São Paulo, de 1922, seu marco instaurador. Tal reflexão tem continuidade no parágrafo seguinte, quando diz que os manuscritos das memórias de Galvez foram encontrados num sebo em Paris e que, a exemplo do que fizera José de Alencar com o livro Guerra dos mascates, resolvera organizá-los e publicá-los.
Trata-se, evidentemente, de um discurso através do qual parodia-se procedimento composicional que, utilizado insistentemente no curso da narrativa brasileira do século XIX, tornou-se um verdadeiro clichê. O discurso paródico, assim utilizado, reveste-se de uma dupla orientação: de um lado, ilumina a tradição literária, revigorando-a; de outro, renova a prática discursiva exaustivamente explorada no campo da produção romanesca, ao conferir-lhe significado novo.
O diálogo com a história literária brasileira efetiva-se com igual força no que tange às relações com o gênero memorialístico. Nesse sentido, estabelece vínculos com Memórias de um sargento de milícias (1853), de Manuel Antônio de Almeida, via tradição da novela picaresca: assim como Leonardo, protagonista do
romance de M. A. de Almeida, Galvez caracteriza-se como um pícaro, à medida que, ao servir de elemento de ligação entre os diferentes capítulos da narrativa,garante sua unidade. Clara igualmente é a relação que estabelece com Memórias sentimentais de João Miramar (1924), do modernista Oswald de Andrade, especialmente no que diz respeito à estruturação do romance, constituído de pequenos fragmentos narrativos, e também no que se refere à farta utilização do discurso paródico e ao diálogo permanente com a tradição cultural brasileira.
A natureza intertextual de Galvez, Imperador do Acre, além do já referido,manifesta-se também através do recurso da citatividade. Nessa medida, os capítulos Commemorazzione Verdiana, Ainda Giuseppe, Radamés, Luar sobre o Nilo, A Cripta, Dueto Final e Dueto Bufo (p. 54-58) constituem uma seqüência que se organiza a partir da incorporação e citação literal de passagens da ópera Aída, de Verdi. Em outros momentos, o romance se apropria de escritos de autoria de Cervantes, Calderón de La Barca e Lope de Vega e dá continuidade ao diálogo com a tradição ibérica, antes iniciado através da vinculação à novela picaresca.
Além desses dois narradores, a instância da narração é, por vezes, ocupada por outras personagens, como no capítulo intitulado Pintura rupestre (p. 78), em que Sir Henry, cientista britânico em expedição na Amazônia, assume o relato e desenvolve toda uma teoria a respeito do Teatro Amazonas, de Manaus. Em outros momentos, faz-se presente recurso típico do texto teatral, à medida que há diálogos autônomos,que se realizam sem qualquer interferência do narrador, como é o caso dos capítulos Diálogos do 3º Mundo I (p. 169) e Diálogos do 3º Mundo II (p. 161).Outro aspecto marcante na narrativa de Márcio Souza é a forma irônica e carnavalizada por ela assumida, nos termos em que foi proposta por Mikhail Bakhtin7 . Nessa perspectiva, Galvez, Imperador do Acre reveste-se de um caráter desmascarador, ao pôr a nu as mazelas da história política brasileira, sobretudo na sua truculência e instabilidade. O mesmo destino têm as elites brasileiras, cuja falsa moralidade é objeto de um discurso permanentemente irônico.
Além disso, o romance assume uma forma carnavalizada que se manifesta através de inúmeros índices, como, por exemplo, o da profanação presente nos episódios Liturgia e Novena, nos quais o herói envolve-se com uma freira e com ela mantém relações sexuais. A coroação bufa, principal ritual da carnavalesca, aparece vinculada ao episódio histórico da anexação do Acre, quando Galvez é coroado imperador. Verdadeiro herói bufo, Galvez toma conta de Puerto Alonso, posto situado na fronteira entre Brasil e Bolívia, que era guarnecido por aproximadamente uma dezena de soldados. No dia da coroação, ocorre uma grande orgia, regada a álcool, que promove a abolição de qualquer relação hierárquica entre os homens
que dela participam, como se pode perceber na seguinte transcrição:
Quando a noite chegou, já ninguém se entendia e o álcool havia abolido as hierarquias.O interior do Palácio Imperial era um ponto sensitivo onde corpos exultavam mudos e ocupados e as almas perdiam-se em êxtases e torrentes decalor. (p. 170)
Compreendido entre os capítulos Viva o Imperador do Acre (p. 146) e Minhadeposição (p. 171), o processo de entronização e derrubada de Galvez apresenta,além disso, outros elementos típicos do carnaval, como é o caso da cena montada para sua coroação. Acompanhado por um grupo de artistas franceses, em excursão pelo Brasil, Galvez, em plena selva amazônica, incumbe o coreógrafo e figurinista da companhia, então nomeado ministro da cultura, de montar um cenário,simulando a entrada de um grande palácio que, ao final da festa, aparececompletamente destruído.
Em Galvez, o índice mais expressivo da carnavalesca é talvez aquele que diz respeito à utilização de registros discursivos da mais diversa origem. Assim, as personagens trocam cartas e telegramas entre si; Galvez, chefe das forças revolucionárias pelo Acre independente, redige ordens de serviço, que constituem capítulos
do romance, como o seguinte:
Ordem de serviço!
Do: Comandante Galvez.
Para: Intendente Chefe.
Prezado Senhor, venho por meio desta ordenar um remanejamento em nossascompras. Queira diminuir a munição em quatro caixotes de balas e adicionar duas caixas de vinho e vinte dúzias de cervejas.
Saudações revolucionárias.
Viva o Acre independente.
Galvez, Comandante-em-Chefe. (p. 115)(outros ensaios BAUMGARTEN, O novo romance...)
Galvez, recém coroado imperador, redige e faz publicar decretos que, igualmente,constituem capítulos da narrativa; seus companheiros de aventura, nomeados para altos postos militares, fazem circular ordens do dia e despachos. Há,ainda, um intenso uso da linguagem jornalística, mediante a transcrição de notícias
publicadas nas páginas de jornais. Assim como a história política brasileira e a ação de sua diplomacia são objeto de crítica ao longo da narrativa, o discurso dos movimentos de esquerda, notadamente em seus lugares-comuns, não passa impune.
Exemplos típicos dessa circunstância são as duas atas (p. 40-41) em que o movimento revolucionário pela independência do Acre registra as reuniões preparatórias para a expedição.
Em síntese, esta breve leitura de Galvez, Imperador do Acre, mostra que oromance de Márcio Souza apresenta as seguintes marcas caracterizadoras:
a – consciência da impossibilidade de determinar, por meio do discurso/palavra,a incontestável verdade histórica;
b – concepção de que a História é imprevisível, opondo-se, conseqüentemente,àqueles que vêem na História um caráter cíclico; em verdade, desenvolve-se a idéia de que os mais surpreendentes e inesperados fatos podem ocorrer;
c – consciente distorção da história por meio de omissões, exageros e anacronismos,aspecto responsável pela ruptura da linearidade temporal característica do gênero;
d – utilização de personagens históricos como protagonistas das narrativas;
e – caráter metaficcional, ou o comentário do narrador sobre o processo de criação de seu próprio texto;
f – natureza intertextual, à medida que o romance é construído como um mosaico de citações; em outras palavras, o texto pode ser visto como a absorção e a transformação de um outro texto, obrigando a leitura da linguagem poética pelo menos como dupla;
g – caráter paródico com relação a outros textos que tenham abordado ou não os mesmos fatos da história;
h – forma dialógica, irônica e carnavalizada, nos termos em que foi proposta por Bakhtin em seus estudos sobre o discurso romanesco.
Este conjunto de inovações presentes em Galvez, Imperador do Acre, de Márcio Souza, sinaliza, em verdade, para o surgimento de um novo paradigma no plano da escrita do romance histórico brasileiro, que é também compartilhado pelas obras de Deonísio da Silva, Luiz Antonio de Assis Brasil, Ana Miranda, Moacyr Scliar e de tantos outros que têm se dedicado à revisão da história oficial brasileira pelo viés da ficção.
Personagem caricatural e burlesco, Galvez é um espanhol aventureiro que se mete no Norte brasileiro a fim de fazer fortuna rápida. Depara-se com uma classe dominante alienada e perdulária que se mantém à custa da exploração da borracha, cujo ciclo estava no auge durante a passagem do século 19 ao 20, época em que a história se passa. Dispõe-se, então, a levar sua parte nas riquezas. O espanhol lidera uma expedição ao Acre, ainda território boliviano, onde consegue a independência daquelas terras e é coroado imperador. Segue-se aí um reinado rocambolesco: após chegar ao topo, o protagonista pensa em instalar uma ditadura, mas acaba se rendendo à boa vida monárquica. Perde o posto e termina ridicularizado.
Bibliografia:
http://educarparacrescer.abril.com/
Dissertação Renato Otero da Silva Júnior (NID – Núcleo de Informação e Documentação da
Fundação Universidade Federal do Rio Grande)
BASTOS, Maíra (Universidade Presbiteriana Mackenize-UPM) - II Simpósio de Pesquisas em Letras da Unioeste
SOUZA,Márcio. Galvez - Imperador do Acre
Leia mais sobre Galvez: http://blogdaamazonia.blog.terra.com.br/2008/08/13/biografo-de-galvez-identifica-sua-obra-em-minisserie-da-tv-globo/
VEJA TAMBÉM
Órfãos do Eldorado - Milton Hatoun no link:
http://reda-umquestodeestilo.blogspot.com/2009/11/milton-hatoum-esta-no-auge.html
mto bommmmmmmmm parabens
ResponderExcluirParabéns maravilhoso :)
ResponderExcluirMuito obrigada, me ajudou muito!
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