segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

PARA COMEÇAR O ANO TERCEIRÃO 2014!

Vocês que estão entrando no Terceirão 2014 comecem a refletir antes de chegar em sala se esses 11 anos de escola antes de chegar aqui os levou a uma aprendizagem realmente coerente,pois é preciso que tenhas plena consciência do que quer para conseguir os objetivos planejados para 2014.Então,comece a ler e refletir  com o texto de Alessandro Eloy abaixo.

ESTUDAR É UM DEVER, NÃO UM DIREIT0

                                         por Alessandro Eloy Braga*

Até onde entendo, a aprendizagem só acontece, verdadeiramente, quando o indivíduo entra em um processo de reflexão pessoal sobre as coisas, sobre as informações que adquiriu, para depois construir momentos de discussão com seus próximos, para uma troca de visões e opiniões, para, novamente, entrar em processo de reflexão pessoal. As informações que o aluno precisa adquirir estão aí, na vida, no dia-a-dia das experiências. As informações estão nos livros, importantíssimos canais de aquisição destas informações e de proposição de discussões. 

Assim, para iniciar o processo de aprendizagem, o aluno precisa observar o mundo e, principalmente, LER MUITO. Ler muito não necessariamente significa ler uma grande quantidade de livros. Significa, antes de tudo, ler (no sentido de perceber os significantes impressos no livro e construir na mente seus significados) uma vez, duas vezes, três vezes, quatro vezes e quantas forem necessárias para construir uma idéia sobre o que foi lido. LER MUITO é LER BEM. Contudo, este contato inicial com o livro e com o mundo é apenas o momento de aquisição de informações. É preciso, depois, discutir as impressões e as opiniões iniciais formadas neste processo de aquisição consigo, com o próximo, com o colega de turma e, principalmente, com os pais e com os professores. 

Todavia, aqui está o primeiro grande problema da educação brasileira: os alunos NÃO QUEREM LER e, por conseguinte, não querem estudar. Os alunos TÊM PREGUIÇA DE LER. Os alunos preferem ler os resumos dos livros (quando há) em livrinhos didáticos de qualidade duvidosa do que ler a obra completa. Os alunos preferem assistir ao filme do livro (quando há) do que ler a obra completa. Os alunos fazem de tudo para fugir de sua RESPONSABILIDADE de leitor do mundo. Não se preocupam se não estão aprendendo, mas se preocupam se terão nota ao final do processo letivo. Contudo, como ter nota sem estudar e aprender?

LER É UM PROCESSO SOFRIDO, que obriga o leitor a passar horas sentado em algum lugar, parado, concentrando-se em um objeto que não é dinâmico - como são a televisão ou o cinema ou a Internet -, que têm palavras que ele desconhece e que trata de uma história que, à primeira vista, não tem uma aplicabilidade prática em sua vida. Da mesma forma, como é difícil para o aluno, "coitado", ter que ficar horas sentado em uma sala, ouvindo um professor em um processo que também não é dinâmico ou divertido como a televisão e o futebol de rua ou o video game.
Como sofre o nosso "pobre aluno", vítima da maldade do processo educacional. É assim que pensam muitos especialistas de nossa educação e transmitem esses pensamentos em seus livros, belos livros lidos por centenas de pedagogos e pela mídia e o Estado que teimam em depositar no professor e na escola a culpa e a responsabilidade pela má formação de nossos alunos.

Mas, se é o aluno que conversa em sala de aula; se é o aluno que tem preguiça de estudar em casa; se é o aluno que tem preguiça e desinteresse em fazer as atividades propostas pelo professor; se é o aluno que não lê os livros indicados pelos professores; se é o aluno que troca uma hora de estudo por três horas no shopping ou uma madrugada inteira em um chat ou blog idiota na Internet; se é o aluno que leva seu celular ou sei iPOD para a sala e fica jogando e escutando música durante as aulas; se o Estado não dá subsídios para que os mais pobres possam dedicar-se aos estudos e não ao trabalho infantil; se o Estado não constrói escolas com infra-estrutura adequada e com certa agradabilidade; se o ensino superior brasileiro e os cursos de formação de professores estão deficitários no que diz respeito a carga horária e disciplinas, a culpa é do professor e da escola que não estão desempenhando sua função como deveriam? Se são os pais que não acompanham o desenvolvimento de seus filhos na escola; se são o pais que não assumem para a si a responsabilidade e tarefa social de impor a seus filhos o dever social de se dedicar à educação; se são os pais que compram os celulares, os video games, os computadores, a Internet, os joguinhos eletrônicos, que dão o dinheiro para o shopping; se são os pais que colocam seus filhos para trabalhar ainda crianças; se são os pais que não ensinam limites comportamentais a seus filhos e valores morais básicos, é a escola e os professores que não estão desempenhando suas funções? Se são os especialistas da educação que dizem que o aluno é um cliente, que ele deve ter prazer ao ir para a escola, que o professor e a escola devem fazer de tudo para que ele atinja este "êxtase" escolar; se são estes especialistas que falam que o professor deve ser um "facilitador" do processo ensino-aprendizagem; se são eles que dizem que a escola deve adaptar-se às mudanças sociais e aos desejos dos alunos, contribuindo, assim, com este discurso para o desgaste da imagem da escola e dos professores diante da sociedade, são os professores e a escola que não estão desempenhando seus papéis como deveriam? Se o Estado não paga salários que condizem com a importância do professor para construção da sociedade, haja vista que um funcionário concursado do Senado ou de um tribunal qualquer, com nível médio, ganha três vezes mais que um professor com mestrado e duas vezes mais que um professor com doutorado nas redes públicas de ensino básico e superior, a culpa pela má educação e desvalorização do processo educacional no Brasil é da escola e dos professores? Quem define estes valores? É um servidor de cafezinho no Senado mais importante que um Professor para a sociedade?
Os pais perguntam a seus filhos se eles querem andar vestidos ou nus? Os pais perguntam a seus filhos se eles querem ou não tomar banho todos os dias? Os pais perguntam a seus filhos se eles querem ou não escovar os dentes três vezes ao dia? Os pais perguntam a seus filhos se eles querem ou não se alimentar? Os pais perguntam a seus filhos se eles querem ou não usar drogas, ou consumir álcool, ou fumar? Perguntam se eles querem ou não matar alguém, queimar dinheiro? Os filhos podem interferir nestas decisões? Não. Porque são necessidades sociais e pessoais básicas, que precisam ser exercidas e desempenhadas sejam elas prazerosas ou não, elas precisam ser feitas. São imposições feitas pela sociedade e pela convivência humana e que não podem ser decididas ou colocadas à escolha da criança ou do adolescente. O filho, nestes casos, também é um cliente dos pais e que precisa ter suas vontades satisfeitas? Não. A Educação também precisa ser vista pelos pais, pelo Estado e pelos alunos como uma necessidade, ou melhor, uma obrigação social e pessoal básica.
            A escola não é uma loja de shopping. A escola não é um parque de diversões. O professor não é um vendedor, não é missionário, não é mendigo - para mendigar a atenção dos alunos em sala de aula -, não é pai, mãe e nem babá. O professor não é um palhaço ou um mestre de cerimônias. O professor é um profissional. A escola, não é espaço de diversão ou de prazeres, ela é um local para onde se vai para aprender coisas que são OBRIGATORIAMENTE NECESSÁRIAS SOCIAL E INDIVIDUALMENTE aos indivíduos, para que eles desempenhem seu papel de cidadão e ser humano com a responsabilidade e a ética que a sociedade deveria esperar deles. O ALUNO NÃO TEM ESCOLHA, ELE PRECISA ESTUDAR E APRENDER, assim como ele precisa tomar banho, escovar os dentes, não matar o próximo, não consumir drogas, não beber, não fumar. Porque é preciso ter em mente que educar-se deve ser uma responsabilidade do cidadão perante a sociedade. Por que é nosso dever com o Estado pagar impostos, mas estudar é apenas um direito? ESTUDAR É UM DEVER, NÃO UM DIREITO, como equivocadamente e erroneamente afirma a nossa própria Constituição Federal, porque o bem estar da sociedade depende, diretamente, da qualidade da educação que oferecemos e construímos.
A educação não é nem deve ser um processo prazeroso apenas, como querem muitos. A educação é um processo sofrido, porque exige dedicação, comprometimento, trabalho, horas de estudo, esforço, concentração, responsabilidade, é abdicar do lazer para pensar sobre os problemas sociais e individuais, é atitude. Estas coisas não são prazerosas.
O Professor é alguém que tem obrigação de ser ouvido por seus alunos e pela sociedade naquilo que diz respeito à sua especialidade de formação. Porque ele é um formador de opiniões, alguém que estudou para ter algo significativo a dizer. Contudo, preferimos ouvir "abobrinhas" de um apresentador de televisão ou de um cantor da moda.
            E ainda há os que têm coragem de afirmar que "a escola deve adaptar-se às mudanças sociais", que "a escola está muito distante da realidade". Se a escola for se espelhar nas mudanças contínuas da sociedade ou correr atrás da realidade para compor seus conteúdos, objetivos e identidade, ela pode fechar suas portas, porque vai perder seu sentido de existência. A escola, assim como as Igrejas, tem o fundamental e importantíssimo papel de realizar a manutenção de valores éticos e morais imprescindíveis ao ser humano e que foram construídos durante centenas de anos de história e reflexão sobre a humanidade por filósofos, sociólogos, teólogos e cientistas que despenderam anos e anos de um sacrifício pessoal para construir um conhecimento valoroso para a humanidade. Seria como pedir ao Papa que a Igreja se torne a favor do aborto e da poligamia. Ela poderia fechar suas portas se assim o fizesse, porque perderia seus princípios básicos e a sua função formadora.
O princípio básico da escola é discutir a realidade de forma séria, demorada, madura e autônoma. É dever da escola, assim como das Igrejas, manter a sobriedade, a consciência e os valores essenciais da humanidade, propondo mudanças quando necessário e mantendo padrões quando também necessário e não correr atrás dos modismos fúteis e efêmeros de uma sociedade cada vez mais mergulhada na lama de um materialismo vazio, do tecnicismo, de um progresso tem como fim o hedonismo fútil, que teima em querer afirmar a escola como local apenas de prazeres. Se assim for, deixemos a educação para ser feita pelos parques de diversão, shoppings e televisão. Afinal, para que escola e para que professores, questionam-se atualmente nossos alunos, se temos a Internet e a televisão? Para que sofrer estudando e lendo e pesquisando e ouvindo as asneiras de um professor se os rappers e MCs e faustões e axés e forrós e trances e outras drogas, químicas ou não, tem muito mais a dizer e são mais prazerosas?
Precisamos é mudar a pergunta que os pedagogos erroneamente têm feito. Não devemos mais nos perguntar "O professor está ensinando e o aluno aprendendo?". Precisamos nos perguntar: "O aluno está estudando?".
Se ser professor não vale à pena, como insistem em falar presidentes da república e a sociedade em geral - o que justifica as licenciaturas serem cursos preenchidos, em sua maioria, praticamente por pessoas de classes média e baixa (por causa se sua baixíssima remuneração e reconhecimento social) e oferecidos, principalmente, em faculdades particulares (muitas delas com qualidade duvidosa), enquanto os ricos inundam as universidades públicas em cursos caríssimos como Direito, Publicidade, Engenharia e Medicina -, então fechemos de vez os cursos de formação de professores e vamos ver no que vai dar esta nossa já ignorante e cega sociedade.
É certo que os rumos da educação estão ligados àquilo que a sociedade quer para si. Se esta mesma sociedade quer futilidade, hedonismo, superficialidade, amoralidade, violência, corrupção e miséria, então nossa escola está no caminho certo. Contudo, se ainda há alguém que deseja uma sociedade intelectualmente e emocionalmente madura, com valores, ética, responsabilidade, respeito, paz, então já passou da hora de mudar os rumos deste nosso decadente e já falido processo educacional, assumindo cada um a sua responsabilidade pelo triste quadro posto, principalmente a família, o Estado e o aluno.

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* Licenciado em Letras, Mestre em Educação, Coordenador do Curso de Letras da Faculdade Jesus Maria José (FAJESU) em Brasília-DF e Professor da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal.

A Competência Textual

Creio

CREIO que a função principal da escola é a de desenvolver ao máximo a competência da leitura e da escrita em seus alunos.
CREIO na leitura, porque ler é conhecer - o que aumenta consideravelmente o leque de entendimento, de opção e de decisão das pessoas em geral.
CREIO na leitura como uma reação ao texto, levando o leitor a concordar e a discordar, a decidir sobre a veracidade ou a distorção dos fatos, desmantelando estratégias verbais e fazendo a crítica dos discursos - atitudes essenciais ao estado de vigilância e lucidez de qualquer cidadão.
CREIO na escrita como instrumento de luta pessoal e social, com que o cidadão adquire um novo conceito de ação na sociedade.
CREIO que, quando as pessoas não sabem ler e escrever adequadamente, surgem homens decididos a LER e ESCREVER por elas e para elas.
CREIO que nossas possibilidades de progresso são determinadas e limitadas por nossa competência em leitura e escrita.
CREIO, por isso, que a linguagem constitui a ponte ou o arame farpado mais poderoso para dar passagem ou bloquear o acesso ao poder.
CREIO que o homem é um ser de linguagem, um animal semiológico, com capacidade inata para aprender e dominar sistemas de comunicação.
CREIO, assim, que a linguagem é um DOM, mas um DOM de TODOS, pois o poder de linguagem é apanágio da espécie humana.
CREIO que o educando pode crescer, desenvolver-se e firmar-se lingüisticamente, liberando seus poderes de linguagem, através da simples exposição a bons textos.
CREIO, por isso, em M. Quintana, que afirmou: "Aprendi a escrever lendo, da mesma forma que se aprende a falar ouvindo, naturalmente."
CREIO, pois, no aluno que se ensina, no aluno como um auto/mestre, num processo de auto-ensino.
CREIO que o ato de escrever é, primeiro e antes de tudo, fruto do desejo de nos multiplicarmos, de nos transcendermos, e mesmo de nos imortalizarmos através de nossas palavras.
CREIO, juntamente com quem escreveu aos coríntios, que a um o Espírito dá a palavra de sabedoria; a outro, a palavra de ciência segundo o mesmo Espírito; a outro, o mesmo Espírito dá a fé; a outro, ainda, o único e mesmo Espírito concede o dom das curas; a outro o poder de fazer milagres; a outro, a profecia; a outro, ainda, o dom de as interpretar.
CREIO que a ti te foi dado o poder da PALAVRA.
CREIO, por isso, na tua paixão pela palavra. Para anunciar esperanças. Para denunciar injustiças. Para in(en)formar o mundo com a-vida-toda-linguagem.
PORTANTO, vem! Levanta tua voz em meio às desfigurações da existência, da sociedade: tu tens a palavra. A tua palavra. Tua voz. E tua vez."(Gilberto Scarton)



 No processo de ensino e de aprendizagem, tudo gira em torno do ensino: ensina-se Português, Matemática, Geografia, etc., mas pouco ou nada se fala de como se aprende. Até mesmo nas Faculdades de Educação, haja vista as disciplinas de Didática (em que se discutem técnicas e métodos que o professor deve usar para produzir um ensino eficaz), Prática de Ensino, Avaliação de Ensino. Em suma, tudo voltado para a transmissão do saber.

     A ênfase não deve recair sobre o que os professores devem fazer para ensinar bem, mas sobre aquilo que os alunos devem fazer para aprender bem ... e como os professores podem ajudá-los. A escola de que precisamos é uma escola centrada no desenvolvimento de competências, de habilidades, na aprendizagem e no aluno - o ator, o protagonista de sua própria educação, de sua vida.

     Levar o aluno a aprender como se desenvolve a competência textual deve ser, pois, tarefa da escola, preocupação de um aluno de redação. Abaixo exponho minha convicção acerca de como se desenvolve a competência textual, que se realiza mediante a leitura inteligente, que decodifica o texto em sua forma, ultrapassando sua superfície e o interesse apenas por seu conteúdo. O "truque" a ser explicado é que tudo aponta para a imperiosa necessidade de aprendermos a escrever a partir do que lemos.

     O presente capítulo tem como fio condutor o texto de Frank Smith (1983) "Ler como um escritor", em diálogo com outros textos, o que explica as inúmeras citações.


1. O texto: uma vitrine de palavras

     Nas primeiras linhas do texto de Frank Smith, lê-se o que segue:

     Questionei o mito segundo o qual uma pessoa pode aprender a escrever através da educação e prática constantes. E deparei com um sério problema: escrever requer uma enorme bagagem de conhecimentos específicos que não podem ser adquiridos em palestras, livros-texto, treinamento, tentativa e erro, ou mesmo pelo próprio exercício da escrita. Um professor pode lançar às crianças tarefas que resultem na produção de uma quantidade pequena, mas aceitável de frases, mas é necessário muito mais do que isso para que alguém se torne um competente e versátil escritor de cartas, relatórios, memorandos, atas, monografias, e talvez até alguns poemas ou obras de ficção esparsos, adequados às exigências e oportunidades de situações extra-classe. Onde é que as pessoas que escrevem adquirem todo o conhecimento de que precisam?

     A conclusão a que cheguei então era tão problemática quanto o problema que precisava resolver: concluí que somente através da leitura é que os escritores aprendem todos os mistérios que conhecem (...) Para aprender a escrever, as crianças precisam ler de uma maneira muito especial.



     É muito antiga a fórmula "é lendo que se aprende a escrever", e tão divulgada, tão conhecida que parece valer por si mesma, um postulado, que carece demonstrar.

     A mim não me parece que tenhamos que aceitar essa fórmula como uma obviedade, sem mais, nem menos. Acredito que é função da Escola levar os alunos a "aprender a aprender", e, por isso, em nosso caso, refletir e aprofundar a discussão sobre o processo de aprendizagem da escrita, que se dá através da leitura e vivenciá-lo, é tarefa que se impõe em nossas aulas de Língua Portuguesa.

     Feita a observação, seguem mais algumas passagens do autor:

     "Mesmo os tipos mais comuns de texto envolvem um vasto número de convenções de complexidade tal que nunca poderiam ser organizados como procedimentos de educação formal. A abrangência de tais convenções é geralmente desconhecida, tanto por professores quanto pelos aprendizes."


" Onde é que todos estes fatos e exemplos podem ser encontrados, quando não disponíveis em palestras, livros-texto e exercícios a que as crianças são expostas em sala de aula? A única resposta possível parece-me tão óbvia quanto espero que agora seja ao leitor - devem ser encontrados no que outras pessoas escreveram, em textos já existentes. Para se aprender a escrever para jornais, deve-se ler jornais: livros-texto sobre o assunto não serão suficientes. Para escrever artigos de revista, deve-se folhear uma revista antes de fazer um curso por correspondência que ensine a escrever para revistas. Para escrever poesia, ler poesia. Para aprender o estilo convencional de memorando de sua escola, consulte os arquivos de sua escola.

     Isto tudo me pareceu extremamente evidente assim que deixei de lado a ilusão de que a instrução prescritiva podia e tinha que ser suficiente para transmitir pelo menos uma parte daquilo que um escritor precisa saber. Todos os exemplos de língua escrita em uso mostram suas próprias convenções relevantes. Todos demonstram sua própria gramática adequada, sua pontuação e recursos estilísticos variados. Todos são como que vitrines de exposição de palavras. Agora, então, sei onde se encontra o conhecimento de que os escritores necessitam: nos textos existentes. Está lá para ser lido. A questão agora é: como este conhecimento penetra a mente do leitor de modo que ele se torne um escritor? (...)
"


     Aprendemos a escrever sem saber que estamos aprendendo ou o que aprendemos. Tudo aponta para a necessidade de aprendermos a escrever a partir daquilo que nós lemos. E este é o truque a ser explicado.
2. Ler como um escritor

     A questão que, a seguir, Smith aborda é: como os conhecimentos de que necessitamos e que estão nos textos penetram na mente do leitor? O autor explica que esse conhecimento é adquirido a partir de um processo especial de leitura, que ele domina "ler como um escritor", conforme exemplifica:

     A maioria dos adultos letrados está acostumada com a experiência de pausar inesperadamente durante a leitura de um jornal, revista ou livro, a fim de voltar a olhar a grafia de uma palavra que chamou sua atenção. Dizemos a nós mesmos: "Ah, então é assim que se escreve esta palavra", especialmente se a palavra é conhecida, uma que só se tenha ouvido anteriormente, como um nome, no rádio ou na televisão. A palavra pode ou não ser escrita como esperávamos que fosse, mas, de qualquer modo, parece nova. Quando começamos a ler, não esperávamos ter uma lição de ortografia, e nem ao menos estamos conscientes de estarmos prestando atenção à ortografia (ou qualquer outro aspecto técnico da escrita) à medida que lemos. Mas notamos aquela grafia desconhecida - do mesmo modo que notaríamos uma incorreta - porque estamos escrevendo o texto à medida que o lemos. Estamos lendo como um escritor, ou no mínimo como um ortografista. Esta é uma palavra cuja ortografia devemos conhecer, que esperamos conhecer, porque somos o tipo de pessoa que sabe esse tipo de grafia.

     Eis um segundo exemplo. Novamente, estamos casualmente lendo, e novamente encontramo-nos parando para reler uma passagem. Não por causa da ortografia, desta vez, nem porque não tenhamos compreendido o trecho. Na verdade, entendemos muito bem. Voltamos porque alguma coisa naquele trecho foi especialmente bem colocada, porque respondemos ao toque do artista. É algo que nós mesmos gostaríamos de fazer e, ao mesmo tempo, algo que acreditamos não estar fora de nosso alcance. Estivemos lendo como um escritor, como um membro do clube. (...)


     E conclui:

     Tudo o que o aprendiz gostaria de grafar, o autor grafa. Tudo o que o aprendiz gostaria de pontuar, o autor pontua. Cada nuança de expressão, cada recurso sintático relevante, cada estilo de frase, o autor e o aprendiz escrevem juntos. Passo a passo, uma coisa por vez, mas um número incrível de coisas.


     O que se disse pode ser ilustrado mediante o seguinte exemplo, que evidencia possíveis reações de quem lê como um escritor:



     Talvez a maximização da fórmula de "ler como um escritor" seja a de "ler com um lápis na mão":

Existem dois tipos de livros, os que se lê e os que se lê sublinhando. Na adolescência, eu certamente teria sublinhado essa frase. Fui uma sublinhadora voraz e nem sempre imune aos clichês. Certos trechos que pareciam encerrar toda a sabedoria do mundo e a chave para decifrar o sentido da vida conquistavam a glória suprema de ganhar um espaço na parede do quarto - copiados com caligrafia caprichada e fixados com durex enroladinha. Quando, em fim, a cola sumia e o cartazinho desabava junto com a pintura, já a tal frase havia ficado invisível no mosaico de fotografias, cartazes e recortes de revistas que então cumpriam a função de anunciar ao mundo - se por acaso o mundo um dia espiasse pela porta do meu quarto - quem morava ali e com o que sonhava quando estava acordada.

Claudia Laitano

     Um exemplo:

     Ao se ler como um escritor o texto abaixo, os seguintes aspectos deviam ser notados ou apreciados (entre outros): as repetições, as enumerações e o uso de ponto-e-vírgula nas enumerações.

Último discurso de Martin Luther King


Freqüentemente imagino que todos nós pensamos no dia em que seremos vitimados por aquilo que é dominador comum e derradeiro da vida, essa alguma coisa a que chamamos de morte.
Freqüentemente penso em minha própria morte e em meu funeral, mas não num sentido angustiante.
Freqüentemente pergunto a mim mesmo que é que eu gostaria que fosse dito então, e deixo aqui com vocês a resposta.
Se vocês estiverem ao meu lado quando eu encontrar o meu dia, lembre-se de que não quero um longo funeral. Se vocês conseguirem alguém para fazer a oração fúnebre, digam-lhe
- para não falar muito;
- para não mencionar que eu tenho trezentos prêmios, isto não é importante;
- para não dizer o lugar onde estudei.
Eu gostaria que alguém mencionasse aquele dia em que
- eu tentei dar minha vida a serviço dos outros;
- eu tentei amar alguém;
- eu tentei ser honesto e caminhar com o próximo;
- eu tentei visitar os que estavam na prisão;
- eu tentei vestir um mendigo;
- eu tentei amar e servir a humanidade.
Sim, se quiseres dizer algo, digam que
EU FUI ARAUTO:
- arauto de justiça;
- arauto de paz;
- arauto do direito.
Todas as outras coisas triviais não têm importância.
Não quero deixar atrás
- nenhum dinheiro;
- coisas finas e luxuosas.
Só quero deixar atrás
- uma vida de dedicação.
E isto é tudo o que tenho a dizer:
SE EU PUDER
- ajudar alguém e seguir adiante;
- animar alguém com uma canção;
- mostrar a alguém o caminho certo;
- cumprir meu dever de cristão;
- levar a solução para alguém;
- divulgar a mensagem que o Senhor deixou;
então,
MINHA VIDA NÃO TERÁ SIDO EM VÃO.
3. O que Sherlock Holmes tem a ver com isso

     Para caracterizar este processo de ler como um escritor, que estou tentando descrever, é útil fazer referência à figura legendária de Sherlock Holmes, para quem o bom investigador deveria ter duas grandes qualidades:

  • acurado senso de observação;
  • grande conhecimento de muitas áreas;
     Eis algumas passagens que foram trazidas ao debate, aproximando as qualidades do aprendiz da escrita às de um bom investigador.

     Sobre a observação:

"Há muito adoto o axioma de que as pequenas coisas são infinitamente mais importantes." "Você conhece meu método. Ele está baseado na observação das insignificâncias."


     "Você parece ter visto nela uma série de coisas que permaneceram invisíveis para mim", foi meu comentário. Não invisíveis mas despercebidas, Watson. Você não sabia para onde olhar e por isso perdeu tudo que era importante. Eu nunca consigo fazer você perceber a importância das mangas das roupas, o caráter sugestivo das unhas dos polegares ou as grandes pistas que estão atadas aos cadarços de uma bota. Agora, o que você conseguiu perceber da aparência daquela mulher? Descreva."

"Bem, ela tinha um chapéu de palha de aba larga, de um azul-acinzentado, com uma pluma de cor vermelho-tijolo. Sua jaqueta era preta, bordada com contas negras e com uma franja de delicados ornamentos negros. Seu vestido era marrom, mais escuro do que cor de café, com detalhes em pelúcia púrpura na gola e nas mangas. Suas luvas eram acinzentadas e estavam gastas na ponta do dedo indicador direito. Não observei suas botas. Ela usava um pequeno pingente de ouro redondo nas orelhas e um certo ar de estar razoavelmente bem para ir levando uma vida vulgar, confortável, despreocupada."

Sherlock Holmes estalou as mãos em um aplauso suave e riu furtivamente.

"Palavra de honra, Watson, você está se saindo muito bem. Fez um ótimo trabalho de fato. É bem verdade que deixou escapar todas as coisas importantes, mas você acertou no método e, ademais, tem um olho clínico para as cores. Nunca confie nas impressões gerais, mas concentre-se nos pormenores, meu caro. Eu sempre lanço o olhar, primeiramente, nas mangas de uma mulher. Em um homem, talvez seja melhor considerar primeiro a parte dos joelhos das calças. Como você observou, a mulher tinha pelúcia em suas mangas, o que é um material muito útil para mostrar pistas. A linha dupla um pouco acima do punho no exato lugar que a datilógrafa pressiona contra a mesa estava maravilhosamente definida. Uma máquina de costura, de tipo manual, deixa marca semelhante, mas apenas no braço esquerdo, e na parte que é mais distante do polegar, ao contrário desta marca que mostra o vinco em quase toda a extensão. Então, dei uma olhadela no seu rosto e, observando a mancha deixada por um pince-nez de ambos os lados do nariz, aventurei um comentário sobre vista curta e datilografia, o que a deixou surpresa."


     Sobre o conhecimento:

"Veja você... considero que, originalmente, o cérebro de um homem é semelhante a um ático vazio, que pode ser povoado com a mobília que se desejar.

Um tolo abarrota-o com toda a espécie de traste que encontra pela frente , de modo que o conhecimento que lhe pode ser útil fica de fora ou, quando muito, soterrado no meio de muitas outras coisas, tornando-se assim muito difícil o acesso até ele.

Agora, o profissional hábil é muito criterioso com o que introduz em seu cérebro-ático."


     O perfil de um investigador segundo Sherlock Holmes ilustra perfeitamente o processo de aperfeiçoamento da competência textual e a própria habilidade de expressão escrita. Não é demais repetir que tal aprimoramento ou habilidade não se explica, não se processa pelo estudo de regras gramaticais, pela leitura de manuais de redação, nos bancos escolares onde se realizam exercícios de redação. Explica-se pela assimilação. Segundo o crítico francês Albalat, talento nada mais é do que assimilação. Assimilação que decorre do ler, do saber ler, do monitorar a própria leitura, do surpreender-se, do admirar-se diante do texto, do observar os seus recursos, o que leva a escrever o que se lê, a internalizar recursos de expressão, a imitar, a recriar, a encontrar nosso estilo.

     O que importa é ler com olhos de detetive, cujo método "se baseia na observação". Observação de detalhes, de aspectos que podem passar despercebidos, observação da forma lingüística ... e não apenas preocupação em decodificar o conteúdo.

     Por outro lado o conhecimento que deve abarrotar o cérebro de um detetive-escritor diz respeito à leitura, ao conhecimento de textos. Quem escreve não escreve no vazio, pois um texto não surge do nada. Nasce de/em outros textos. Pode-se dizer que escrever é a habilidade de aproveitar criticamente, criativamente outros materiais interdiscursivos, outros textos. Assim, para resumir, pode-se dizer que o escritor se constrói a partir da observação do que está nos textos e de um cérebro-ático "povoado com a mobília da leitura".


4. O que acontece quando estamos lendo?

     Para aprofundar a questão central da tese de Smith, busquei auxilio em autores que tratam de estratégias de leitura, pois "ler como um escritor", ler observando os recursos lingüísticos do texto é uma delas. Tenho como fundamentação o capítulo "A metacognição", de Vilson J. Leffa ( 1996).

     Uma das características fundamentais do processo de leitura é a capacidade que o leitor possui de avaliar, de monitorar a qualidade da compreensão do que está lendo. O leitor, em determinado momento de sua leitura, volta-se para si mesmo e se concentra não no conteúdo, mas no processo que conscientemente utiliza para chegar ao conteúdo. É o fenômeno da metacognição.

     A metacognição envolve, portanto:

     a) a habilidade para monitorar a própria compreensão ("Estou entendendo muito bem o que o autor está dizendo", "Esta parte está mais dificil, mas dá para pegar a idéia principal", etc.);

     b) a habilidade de tomar as medidas adequadas quando a compreensão falha, ("Vou ter que reler este parágrafo", "Essa dever ser uma palavra chave no texto. Vou ver no glossário", etc.).

     Brown (apud Leffa, 1996) define metacognição como um conjunto de estratégias de leitura que se caracteriza pelo "controle planejado e deliberado das atividades que levam à compreensão". Entre essas atividades, destacam-se:

  • Definir o objetivo de uma determinada leitura ("Vou ler este texto para ver como se monta este brinquedo", "Só quero ver a data da morte de Napoleão". "Vou correr os olhos pelo sumário para ter uma idéia geral do livro").
  • Identificar os segmentos mais e menos importantes de um texto ("Aqui o autor está apenas dando mais um detalhe". "Esta definição é importante").
  • Distribuir a atenção de modo a se concentrar mais nos segmentos mais importantes ("Isto aqui é novo para mim e preciso ler com mais cuidado". "Isto eu já conheço muito bem e posso ir apenas passando os olhos"). A importância de um segmento pode variar não só de um leitor para outro, mas até de uma leitura para outra.
  • Avaliar a qualidade da compreensão que está sendo obtida da leitura ("Estou entendendo perfeitamente o que o autor está tentando dizer". "Este trecho não está muito claro para mim").
  • Determinar se os objetivos de uma determinada leitura estão sendo alcançados ("Estou lendo este capítulo para ter uma idéia geral do que é fenomenologia, mas ainda não consegui ter uma noção clara do assunto").
  • Tomar as medidas corretivas quando falhas na compreensão são detectadas ("Vou ter que consultar o dicionário para entender esta palavra, já que o contexto não me bastou". "Parece que vou ter que ler aquele outro artigo para poder entender este").
  • Corrigir o rumo da leitura nos momentos de distração, divagações ou interrupções ("Estou tão distraído que passei os olhos por este parágrafo sem prestar atenção no que estava lendo; vou ter que relê-lo").
     A metacognição, no entanto, não se refere apenas ao monitoramento na compreensão do conteúdo. Estamos também envolvidos num processo de metacognição quando analisamos a forma lingüística do texto, a linguagem. Isso se dá quando lemos como um escritor. Aqui também o leitor volta-se para si mesmo e avalia, analisa a forma ou reflete sobre ela. ("Ah! este texto começa mediante uma fórmula muito empregada, através de uma pergunta"... "Muito bem estruturado este texto... com importantes elementos coesivos". "Esta frase curta e esta outra construção nominal estão bem inseridas nesta passagem"... "Ah! é assim, então, que se escreve esta palavra!...").

      Para finalizar, registre-se, com base em Leffa (1996), que

     a) a metacognição desenvolve-se com a idade;

     b) a metacognição correlaciona-se com a proficiência em leitura. Leitores fluentes têm mais consciência de seus comportamentos de leitura. São mais capazes de avaliar sua própria compreensão, selecionar as melhores estratégias de reparo, etc.

     c) O comportamento metacognitivo melhora com a instrução. Tem-se observado, por exemplo, que crianças expostas ao treinamento sistemático de monitoramento melhoram a compreensão do texto. Nós temos observado também que alunos universitários, levados ao longo de dois ou três meses de aula a observarem ou monitorarem a forma lingüística do texto, têm um desempenho lingüístico melhor.


6. E Vygotsky?

     Na verdade, conheci um pouco de Vygotsky depois que trabalhei com estas idéias que estou a expor. É que uma aluna me chamou de "construtivista", e eu tive que saber o que eu era mesmo. Socorreu-me na empreitada a Profª Carmem Sanson, Mestre em Educação.

     A repercussão que as idéias do psicólogo russo vem obtendo no Brasil tem o sentido de uma redescoberta: tendo falecido em 1934, sua obra enfrentou décadas de censura imposta pelo regime stalinista, e somente em meados dos anos 60 seus estudos chegaram ao Ocidente. Hoje, representa uma tendência cada vez mais presente no debate educacional, pois Vygotsky deixou idéias extremamente sugestivas que devem continuar inspirando por este século afora diferentes tentativas de renovação para a construção de uma nova escola.

     Se fosse sintetizar a aplicação de seu pensamento na educação, poder-se-ia dizer que de sua linha socioconstrutivista se depreendem novos referenciais, levando a uma nova pedagogia, a uma pedagogia interativa , mediatizada, colaborativa, ativa, dialógica, construtivista com características sociointeracionistas.

     A idéia de que nenhum conhecimento é construído pela pessoa sozinha, mas sim em parceria com os outros, que são os mediadores, é própria da psicologia socioconstrutivista de Vygotsky, teoria que traz em seu bojo a concepção de que todo o ser humano se constitui como tal mediante as relações que estabelece com os outros.

     Essa idéia de mediação está claramente posto em Frank Smith: o escritor se constitui como tal, se constrói mediante as relações que estabelece com os textos de outros escritores. É por isso que se deve insistir na idéia que os textos são vitrines de exposição de palavras, o melhor manual ou guia para a produção textual. Para alcançar competência na escrita é essencial, pois, observar o que se lê e abarrotar o terreno com leituras.

"Já discutíamos como os adultos e amigos mais competentes agem como colaboradores involuntários à medida que a criança aprende sobre a linguagem falada. As crianças aprendem indiretamente (...) O argumento que usarei agora é que todo aquele que se torna um escritor competente usa os autores exatamente do mesmo modo, mesmo as crianças. Elas devem ler como um escritor, a fim de aprender a escrever como um escritor. Não existe outra maneira de adquirir o conhecimento de um escritor em sua intricada complexidade."



6. Frank Smith e Celso Luft

     Frank Smith e Celso Luft têm o mesmo entendimento acerca do processo de internalização das convenções da escrita.

     De Frank Smith:

A alternativa que tenho a propor é a de que o conhecimento de todas as convenções da escrita penetra em nossa mente assim como a maior parte do nosso conhecimento da linguagem falada, e até do mundo em geral, sem consciência do aprendizado que está ocorrendo. A aprendizagem é inconsciente, sem esforço, acidental, indireta e essencialmente cooperativa. É acidental porque aprendemos quando aprender não é nossa principal intenção; indireta porque aprendemos através do que outra pessoa faz; e cooperativa porque aprendemos pela ajuda de outros para que alcancemos nossos próprios objetivos.


     De Celso Luft, ao propor uma aprendizagem natural de língua materna:

     A primeira aprendizagem da língua: um processo natural. Base (natural): a capacidade humana inata da linguagem (o homem é um ser de linguagem), capacidade de aprender e dominar sistemas de comunicação verbal.
     Condições: exposição a atos de fala, para que a criança possa, intuitivamente, depreender as regras (a "gramática") subjacentes. Ao natural, a criança (pequeno lingüista, gramático) internaliza aquela gramática a que se vê exposta; determinado nível linguístico correspondente a determinado nível sociocultural: analfabeto, classe média, alta. Ao fim deste estágio (5-7 anos), a criança é portadora de uma gramática implícita (GI) da língua.
     2. A segunda aprendizagem: na escola. Tese: o ideal é que também seja um processo natural. Por exposição a atos de fala e escrita , atos de comunicação (agora mais elevada, mais formal). Exposição à língua culta padrão. Desenvolvimento, ampliação, complementação da primeira aprendizagem e enriquecimento dos recursos expressionais da língua pela exposição do falante/ escrevente a modelos adequados de fala/escrita (olha a ordem!)... para que o aluno, ao natural (isto é, intuitivamente, com seus poderes de linguagem), possa ir complementando seu estoque interior de regras, a sua gramática interna, implícita (GI).

     6. Teoricamente, pode uma pessoa chegar a manejar superiormente (e até artisticamente) seu idioma mediante conhecimento e domínio apenas intuitivo (gramática implícita), educada habilitada pela prática natural de linguagem (muita leitura, muita exposição a bons textos, e muita escrita: "Aprendi a escrever lendo, da mesma forma que se aprende a falar ouvindo naturalmente..." M. Quintana). Grandes escritores, oradores e poetas comprovam Isso. Que estudos gramaticais realizou Machado de Assis? Quem ensinou Gramática (e análise sintática d' Os Lusíadas...) a Camões? A Homero?...



7. Assimilação, imitação e plágio

     Recorrendo a Albalat (1934), encontro no capítulo dedicado à leitura, a seguinte passagem:

O talento nada mais é do que assimilação (p.28)


     Assimilação, naturalmente, do que encontramos em outros textos.

     Antes, no entanto, o crítico francês já havia escrito na mesma obra:

A admiração conduz à imitação, e a imitação é um meio de assimilar as belezas alheias (p.15)


     A propósito do assunto, mais três referências:

     A primeira é de Olavo Carvalho, extraída do artigo "Aprendendo a escrever" ( O Globo, 03/02/01).

     A seleção das leituras deve nortear-se, antes de tudo, pelo anseio de apreender, na variedade do que se lê, as regras não escritas desse código universal que une Shakespeare a Homero, Dante a Faulkner, Camilo a Sófocles e Eurípides, Elliot a Confúcio e Jalal-Ed-Din Rûmi.
     Compreendida assim, a leitura tem algo de uma aventura iniciática: é a conquista da palavra perdida que dá acesso às chaves de um reino oculto. Fora disso, é rotina profissional, pedantismo ou divertimento pueril.
     Mas a aquisição do código supõe, além da leitura, a absorção ativa. É preciso que você, além de ouvir, pratique a língua do escritor que está lendo. Praticar, em português antigo, significa também conversar. Se você está lendo Dante, busque escrever como Dante. Traduza trechos dele, imite o tom, as alusões simbólicas, a maneira, a visão do mundo. A imitação é a única maneira de assimilar profundamente. Se é impossível você aprender inglês ou espanhol só de ouvir, sem nunca tentar falar, por que seria diferente com o estilo dos escritores?
     O fetichismo atual da "originalidade" e da "criatividade" inibe a prática da imitação. Quer que os aprendizes criem a partir do nada, ou da pura linguagem da mídia. O máximo que eles conseguem é produzir criativamente banalidades padronizadas.
     Ninguém chega à originalidade sem ter dominado a técnica da imitação. Imitar não vai tornar você um idiota servil, primeiro porque nenhum idiota servil se eleva à altura de poder imitar os grandes, segundo porque, imitando um, depois outro e outro e outro mais, você não ficará parecido com nenhum deles, mas, compondo com o que aprendeu deles o seu arsenal pessoal de modos de dizer, acabará no fim das contas sendo você mesmo, apenas potencializado e enobrecido pelas armas que adquiriu.
     É nesse e só nesse sentido que, lendo, se aprende a escrever. É um ler que supõe a busca seletiva da unidade por trás da variedade, o aprendizado pela imitação ativa e a constituição do repertório pessoal em permanente acréscimo e desenvolvimento. Muitos que hoje posam de escritores não apenas jamais passaram por esse aprendizado como nem sequer imaginam que ele exista.
     Mas, fora dele, tudo é barbárie e incultura industrializada.


     As duas outras são de nossos escritores:

     De Moacyr Scliar:

     "...que o ato de escrever é uma seqüela do ato de ler.É preciso captar com os olhos as imagens das letras, guarda-las no reservatório que temos em nossa mente e utiliza-las para compor depois nossas próprias palavras.
      Aprendi que, quando se começa, plagiar não faz mal nenhum. Copiei descaradamente muitos escritores, Monteiro Lobato, Viriato Correa e outros; não se incomodaram com isso e copiar me fez muito bem."


     De Luis Antonio de Assis Brasil:

"Todo mundo começa imitando alguém. É na vida. É nas artes. Não há mal nenhum. A leitura de um livro empolgante desperta o imediato desejo:
- Eu gostaria de escrever assim.
O primeiro romance que li inteiro foi "O Primo Basílio", isso lá pelos 13 ou 14 anos. Ao terminá-lo, decidi que, se me tornasse escritor, escreveria um livro igualzinho."


Para encerrar, deve-se mencionar ainda como os maiores autores de todos os tempos costumam buscar seus temas nas obras de seus colegas de ofício. Antonio Fernando Borges, em suas aulas da Oficina Literária do Portal Literal (http://portalliteral.terra.com.br/Literal/calandra.nsf/0/F5E8E1D40F28232103256F77005A3E1F?OpenDocument&pub=T&proj=Literal&sec=Agenda) extrai da obra "A ilusão literária", de Eduardo Frieiro, os seguintes exemplos).
  • Virgílio escreveu suas epopéias (a Eneida em especial) inspirando-se na obra de Homero;
  • O poeta e dramaturgo francês Corneille escreveu seu épico Lê Cid a partir de uma conhecida lenda espanhola (El Cid campeador).
  • Todos os enredos de Shakespeare foram extraídos de autores como Plutarco, Hollinshead e de diversos contistas populares italianos - sem falar de seus dramas e tragédias históricas, inspirados diretamente nos fatos;
  • Miguel de Cervantes buscou o tema de Dom Quixote num escritor italiano mal conhecido;
  • E a história de Fausto, a obra prima de Goethe, já tinha sido contada por Christopher Marlowe, no século 16;
  • Entre os brasileiros, pode-se dizer que o "condoreirismo" de Castro Alves sempre fez eco ao enfático romantismo de Victor Hugo;
  • E o grande Machado de Assis, sabe-se, foi buscar muitos de seus enredos e tramas em romancistas ingleses menores, cujos nomes se perderam com o tempo ...
E conclui:
Certamente, esta constatação não diminui em nada o mérito de nenhum desses autores. Mas tem, em compensação, o "mérito" de dar um bom conselho aos que se iniciam na arte da escrita: não se preocupem em ser originais, mas em escrever bem - com clareza, verdade e beleza.

     A convicção de que o aprimoramento da competência textual se processa mediante a leitura e a observação de textos fundamenta-se nos seguintes autores e fatos:
  • Em Frank Smith, que questiona o mito segundo o qual uma pessoa pode aprender a escrever através da edução e prática constantes. O autor enfatiza que somente através da leitura é que os escritores aprendem todos s mistérios que conhecem. Para aprender a escrever as pessoas precisam ler de uma maneira especial: ler como um escritor, isto é, observando os recursos de expressão, a forma lingüística.
  • Na comparação entre o perfil de um investigador segundo Scherlok Holmes e os requisitos que deve ter quem almeja ser escritor: o primeiro deve ser um meticuloso observador do suspeito e do cenário do crime; o segundo, dos textos. O primeiro deve ter conhecimento de várias áreas; o segundo, de textos, pois escrever é aproveitar criativamente os materiais interdiscursivos.
  • Na estratégia de leitura denominada de metacognição, estratégia em que o leitor monitora sua leitura, avaliando, analisando a forma lingüística dos textos.
  • Em Vygostky, que defende em seus estudos que nenhum conhecimento é construído por uma pessoa sozinha, mas em parceria com outros, que são as mediadoras. Nos processos de ampliação da competência textual, a mediação se dá mediante as relações que o leitor estabelece com os textos, os autores - a melhor escola, os grandes mestres na construção do escritor.
  • Em Celso Luft, para quem a aprendizagem da língua culta (e de todos os recursos de expressão) é um processo natural, semelhante à aquisição da língua materna (primeira aprendizagem), que se dá mediante a exposição de modelos lingüísticos.
  • Em críticos, como ALBALAT ("O talento nada mais é do que assimilação."); em escritores como Scliar ("... o ato de escrever é uma seqüela do ato de ler."), Assis Brasil ("Todo mundo começa imitando alguém.").
  • Na vivência de sala de aula, em que experimentei a convicção aqui exposta. A propósito, anexamos o testamento de alunos, "aprendizes" que foram neste processo de melhoria da competência Textual. 
Fonte: PUC/RS

Portanto, mãos a obra caros alunos 2014! Vamos aprender a ler para podermos produzir bons textos!!!!