Fonte: Faculdade Sul-Americana (FASAM) Goiânia Texto do Professor: Alexandre Francisco de
Azevedo Disciplina: Teoria Geral do Estado & Ciência Política
" Nicolau Maquiavel, autor do livro intitulado “O Príncipe”, escrito no ano de 1513, em Florença, na região italiana Toscana, viveu entre 1469 e 1527, tendo a primeira edição de seu opúsculo publicada postumamente, em 1532. Neste ano, após a dissociação do governo da cidade e a volta da dinastia Médici ao poder, Maquiavel foi preso, inculpado de tramoia e conspiração.
" Nicolau Maquiavel, autor do livro intitulado “O Príncipe”, escrito no ano de 1513, em Florença, na região italiana Toscana, viveu entre 1469 e 1527, tendo a primeira edição de seu opúsculo publicada postumamente, em 1532. Neste ano, após a dissociação do governo da cidade e a volta da dinastia Médici ao poder, Maquiavel foi preso, inculpado de tramoia e conspiração.
O pontífice Leão X, entretanto, concedeu-lhe remissão e, assim sendo,Nicolau
retirou-se da vida pública, após ter ingressado na carreira diplomática
num período em que Florença vivia uma República, após a destituição dos
Médici do poder, passando, a partir de então, a escrever suas grandes
obras. É considerado um dos principais intelectuais do Renascimento,
pois inaugurou o pensamento político moderno, sendo, portanto,
considerado o pai da Ciência Política e um dos fundadores da base da
legitimação do poder, tão necessária em meio a constantes períodos
conturbados da vida política pretérita e hodierna.
É necessária
uma contextualização histórica para que, só assim, possamos compreender
os motivos que influenciaram e impulsionaram Maquiavel a escrever tão
bela obra, detentora de experiências vivenciadas pelo autor e observadas
pelo mesmo desde a Antiguidade Clássica - quando cita exemplos gregos,
romanos e de vários outros povos - até a Idade Média e início da Idade
Contemporânea, quando da instável disputa política pelo controle e
manutenção territorial das cidades-estados da Península Itálica.
Alguns
estudiosos especialistas na área dizem que Maquiavel escreveu a obra
para tentar obter confiança do duque de Urbino, Lorenzo I de Médici
(1492- 1519), a quem fez uma dedicatória no término da obra, creditando
neste a possibilidade de angariar um cargo público novamente, fato não
consubstanciado.
Deixando aquém todos os interesses políticos e subjetivos que levaram Maquiavel
a escrever a obra, dirijamo-nos para o principal assunto abordado no
texto, dotados de imparcialidade: os tipos de principados, as formas de
governá-los, mantê-los e ampliá-los, ou seja, o paradigma aparentemente
paradoxal a ser seguido, caso ambicionarmos nos tornar exímios
príncipes.
Já no início do livro, define os principais tipos de
principados, que os são o hereditário, o novo e o misto, devendo o
príncipe possuir grande diligência quanto à arte de guerrear para que
logre êxito em sua sucessão, no primeiro caso; em sua conquista, no
segundo; e, por derradeiro, em sua invasão e inclusão ao velho
principado, devendo, em todos os casos, possuir maior atenção em relação
às formas pelas quais conseguirá mantê-los sob seu domínio. Além disso,
afirma que, na prática da guerra e na manutenção do poderio, os
príncipes são guiados pela fortuna, isto é, pela sorte e circunstâncias,
ou por suas virtudes, ou seja, pelos seus méritos, qualidades e
valores.
O principado hereditário é relativamente fácil manter,
porquanto o herdeiro é aceito por seus súditos facilmente, mantendo-se
soberano sem obstáculos, a menos que uma força maior o destitua. Em
contrapartida, o principado novo é o que demanda maior diligência por
parte do príncipe, uma vez que o mesmo que tomou o poder será
imediatamente avaliado pelos novos súditos, que acreditam poder melhorar
de condição amotinando-se contra o novo dominador, que deverá não
apenas oprimi-los, mas também agradá-los, e honrar a dívida para com os
provincianos que dominou.
Os principados mistos, por sua vez,
demandam também grande zelo, uma vez que acostumados a outras culturas,
haverá divergências de línguas, leis e costumes entre o novo e o velho
principado. Porém, a fim de precaver um possível infortúnio, Maquiavel
nos diz a forma para o tolhermos, sendo preciso extinguir a linhagem de
sangue do príncipe anterior e não alterar as leis vigentes, nem o fisco.
Assim, em diminuto tempo, o novo principado será totalmente anexado ao
antigo.
Maquiavel diz, ainda, que a guerra não se evita, apenas se
adia em favor de outrem e a posterga, sendo vantajoso apenas para o
oponente, dado que o ser humano possui como característica inata o
desejo de conquista. Ademais, recomenda que todo tipo de insurreição
interna, por mais que seja propedêutica, abolida na raiz seja, porquanto
não se pode empreender uma guerra sem preparo para tal.
Sendo uma
forma dos homens serem louvados ou vituperados, recomenda-se que seus
objetivos e pensamentos estejam permanentemente voltados à guerra, dado
que é a atitude esperada e inerente ao exercício do poder, pois é a arte
de quem comanda. Afirma, ainda, que o príncipe deve manter a fama de
cruel, pois isto auxilia a manter a tropa unida e disposta ao combate.
Além disso, visto que a guerra traz prestígio, recomenda aos mesmos que
empreendam grandes campanhas militares para legar memoráveis exemplos de
si mesmos, pois não há nada, além disso, que faça um príncipe quisto.
Há
duas formas de transmutar-se de homem privado a príncipe, seja elas por
meios execrável e celerados, ou graças ao favor de seus concidadãos. Na
primeira, incluem-se os soberanos que tomaram o poder por atitudes
criminosas, como massacres, traições, crueldades, assassinatos e
selvageria; na segunda, o soberano constitui um principado civil. Para
obtê-lo, diferentemente dos demais, não é preciso fortuna, nem virtude,
mas astúcia e apoio popular ou dos poderosos.
Segundo Maquiavel,
ao tomar um Estado, o príncipe usurpador deve fazer a maldade de uma só
vez, para que não seja apreciada vagarosamente pelo paladar da
população, devendo praticar a violência com um só golpe. Diferentemente
dos benefícios, que devem ser feitos aos poucos, para que as pessoas os
apreciem por longo período, e esqueçam as coisas ruins pretéritas,
tranqüilizando os súditos e os seduzindo.
Discorrer sobre os
principados eclesiásticos, para Nicolau, seria presunçoso e temerário,
uma vez que estes são manteúdos por antigas leis religiosas, louvados e
mantidos por Deus, pois, sendo governados por razões superiores, que a
mente humana não alcança. São tão insignes que, não importando como os
príncipes vivam ou se comportem, conseguem os conservar no poder.
Há
uma distinção entre os soldados próprios, mercenários, auxiliares e
mistos. As armas próprias são aquelas compostas por cidadãos, súditos e
vassalos, sendo a mais segura de todas, pois, sem elas, o príncipe fica
inteiramente à mercê da fortuna; as mercenárias combatem não por
lealdade, mas por interesse ou dinheiro, pois são inúteis e perigosas,
uma vez que são desunidas, indisciplinadas, ambiciosas e infieis; já as
auxiliares, solicitadas a outro poderoso para que o defenda, são piores
que as anteriores, porquanto assim que tiverem a oportunidade de
destruir-lhe, o farão, caso seja menos poderoso que aquele; numa mistura
das anteriores, obtemos as armas mistas, cujo próprio adjetivo já
ostenta o significado e importância momentânea da mesma.
Nos
tempos quiescentes e brandos, Maquiavel ainda nos recomenda a estarmos
em constante treinamento à guerra, caso esta nos surpreenda, através da
faculdade de conhecer bem o território, para localizar o inimigo, montar
acampamentos, fugir às emboscadas, conduzir a tropa, organizar
expedições, armadilhas e, em boas situações, assediar outras províncias.
Um excelente exercício também é a observação dos soberanos anteriores,
da forma como conduziram as guerras, analisando os motivos de suas
vitórias e derrotas. Deve aproveitar, pois, este período com destreza,
para que quando sua fortuna for mudada e advierem as adversidades,
esteja preparado para o combate.
Os principais vícios e riscos que
colocam em perigo o governo do príncipe, segundo o autor, é ser
miserável, avarento, rapace, desleal, sanguinário, efeminado e
pusilânime, lascivo, soberbo, inflexível e incrédulo, devendo estes
adjetivos ser extintos ou, pelo menos, raros a um príncipe.
O
livro também nos exorta quanto à liberalidade, sendo esta um fator
perigoso no que diz respeito a ser fausto e luxuoso, pois sobrecarrega a
população de tributos e arrecadações, necessárias para manter a
reputação do príncipe, o que fará com que este seja odiado ou desprezado
pelos súditos. Para Maquiavel, entretanto, ser liberal é uma vantagem
ao dominador, desde que seja comedida; outrossim, em benefício dos
cidadãos, ele não deverá se importar com o labor de avarento, pois o
deverá ser para manter a parcimônia e evitar que seus cidadãos
empobreçam.
É preciso, sobremaneira, inspirar temor sem promover o
ódio, em uma alusão maquiavélica, pois é preferível e mais seguro ser
temido, que amado, porquanto é difícil conciliar as duas coisas, dado
que o vínculo de amor entre os homens é frágil, uma vez que é mantido
por reconhecimento e passível de ser rompido pelo egocentrismo.
Nas
palavras de Maquiavel, os homens se esquecem com maior rapidez da morte
de um pai que da perda do patrimônio, pois eles são essencialmente maus
e, em geral, são ingratos, dissimulados, inconstantes, avessos ao
perigo e gananciosos; sendo assim, é precípuo e fundamental que o
príncipe não o ameace e, máxime, também não tome as mulheres de seus
concidadãos, a fim de tolher as insurreições internas e não ensejar o
ódio à população.
Para o autor, ainda, existem duas matrizes de
combate, sendo a primeira o combate por meio das leis, e a segunda por
uso da força, própria dos animais; sendo a primeira matriz um tanto
quanto ineficaz, torna-se necessário evocar a segunda. O príncipe
precisa ser raposa e leão, metaforicamente, visto que a raposa tem
grande astúcia e o leão muita força, combinação perfeita para proceder
com inteligência, sabedoria e vigor, quando necessário.
Maquiavel
recomenda, outrora, que o príncipe tenha atitudes humanitárias e
munificentes para com o cotidiano da cidade e a vida civil econômica,
sem, no entanto, deixar de manter a majestade de seu posto, estimulando
os cidadãos a exercer seus ofícios no comércio, na agricultura e em
outras atividades; oferecer hospitalidade aos homens virtuosos e aos
artistas; assegurando o direito à propriedade e incitando a abertura de
novos negócios, sem que os tributos sejam um empecilho à atividade
mercantil. Ademais, deve promover espetáculos e festas, reunindo-se com a
comunidade, conhecendo os bairros e corporações, valendo-se da política
do pão e circo.
O príncipe não pode se apoiar por inteiro na
fortuna, segundo Maquiavel, pois ele se arruinará tão logo as
circunstâncias mudem, porquanto a fortuna determina apenas parte das
ações humanas e a outra parte é governada pelo livrearbítrio, podendo,
sim, os homens mudarem o mundo – ao contrário do que muitos pensam que
este é governado apenas pela fortuna e por Deus. Muitos ainda acham que
não vale a pena lutar pelo curso das coisas e, por isso, deixam se
conduzir pelo destino e pela sorte.
Maquiavel ainda compara a
fortuna a um rio caudaloso e devastador, que com suas águas enfurecidas
alaga planícies, derruba árvores e faz ruir construções, quando tomado
por ímpeto. O príncipe precavido, entretanto, constrói diques, barragens
e canais de irrigação para que, quando advir a impetuosidade do rio,
seu principado não seja assolado pela fúria das águas, uma vez que estas
são distribuídas com destreza aos canais previamente construídos. Se a
virtude não lhe colocar freios, portanto, a fortuna demonstra toda a sua
potência; o autor compara, igualmente, a fortuna à mulher, que é
favorável aos jovens, pois são menos respeitosos, mais ferozes e
audaciosos, comandando com maior facilidade. É melhor ser impetuoso que
prudente, portanto, para comandar a fortuna, pois apenas por meio da
virtude um príncipe pode vencer a instabilidade da fortuna e, assim,
conservar seu território."
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