domingo, 31 de março de 2013

O golpe militar no dia 31 de março de 1964 fez o Brasil mergulhar em 21 anos de ditadura

Marcos Chagas
Repórter da Agência Brasil


Brasília - O golpe militar de 31 de março de 1964 foi o mais longo período de interrupção democrática pelo qual passou o Brasil durante a República. Qualificado pela história como "os anos de chumbo", o período da ditadura foi marcado pela cassação de direitos civis, censura à imprensa, repressão violenta das manifestações populares, assassinatos e torturas.

O historiador e cientista político da Universidade de Brasilia (UnB), Octaviano Nogueira, afirmou que o golpe de 1964 resultou no mais duro período de intervenção militar na democracia entre tantos outros desencadeados no decorrer da história republicana. “Entre 1964 e o início dos anos 70 estava em curso o período mais duro da repressão militar”, disse Nogueira.

Segundo ele, 1964 começou, na verdade, quatro anos antes, com a renúncia de Jânio Quadros, da UDN - um partido de direita -, em 1961, sete meses após sua posse. Apoiado por uma ampla coligação, a renúncia deixou um vácuo de poder, uma vez que seu vice, João Goulart, do PTB - um partido de esquerda -, era visto com desconfiança pelas Forças Armadas.

Para garantir a posse de João Goulart e evitar um golpe militar, o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola (PTB), desencadeou a Campanha da Legalidade, que reivindicava a preservação da ordem jurídica e a garantia de posse do vice-presidente que retornava de uma viagem oficial à China. Do porão da sede de governo gaúcho, Brizola fazia pronunciamentos à nação.

“Na verdade, João Goulart ocupou o poder para tapar buraco, uma vez que era o vice de Jânio Quadros. Ele sempre foi um latifundiário e conservador, mas mantinha um discurso de esquerda herdado de Getúlio Vargas, sem nunca concretizar suas propostas”, afirmou o professor Nogueira.

Com o decorrer do tempo, ameaçado por greves constantes, sem o apoio da imprensa e de parcela significativa da sociedade, os militares depõem Goulart. Em 31 de março de 1964 o general Olímpio Mourão Filho deslocou 3 mil soldados do Destacamento Tiradentes, de Belo Horizonte, em direção ao Rio de Janeiro para consolidar o golpe de Estado que garantiria aos militares 21 anos de governo.

O marechal Castello Branco assumiu a Presidência da República e João Goulart se exilou no Uruguai. Coube ao sucessor de Castello Branco, o marechal Artur da Costa e Silva iniciar o processo radicalização do regime a partir da edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5) que deu ao Executivo poderes para fechar o Congresso Nacional, cassar o mandato de políticos e legalizar a repressão aos movimentos sociais. Foram os anos mais duros da ditadura militar, com mortes e torturas de militantes políticos que lutaram pela volta de democracia.

Os militares começaram a ceder à pressão da sociedade organizada pela restituição da democracia em 1978, no quarto governo militar, que tinha como presidente o general Ernesto Geisel. Coube a ele instituir o processo de “abertura política lenta e gradual", relatou certa vez à Agência Brasil o ex-senador Marco Maciel (DEM-PE), quando ainda ocupava uma cadeira no Senado.

Pela Emenda Constitucional nº 11, promulgada pelo Congresso Nacional em 13 de outubro de 1978, foram revogados todos os atos institucionais e garantida a imunidade parlamentar, lembrou Marco Maciel, à época integrante da Aliança Renovadora Nacional (Arena) partido que apoiava o regime. A aprovação da Lei da Anistia, no entanto, caberia ao general João Baptista Figueiredo, último presidente militar. A anistia que deveria restituir os direitos políticos dos perseguidos pela ditadura, acabou favorecendo também os militares.

O governo de Figueiredo foi marcado por uma série de atentados terroristas promovidos pelo Estado, como explosões de bancas de revistas, uma bomba enviada à sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a frustrada tentativa de explodir uma bomba no show comemorativo ao Dia do Trabalho, no Riocentro, em 30 de abril de 1981.

Em 1984 a pressão popular ganhou as ruas pedindo eleições diretas para presidente, com o movimento conhecido como Diretas Já. Porém, com a derrota da Emenda Dante de Oliveira, que instituía as eleições diretas para presidente da República em 1984, Tancredo Neves foi o nome escolhido para representar uma coligação de partidos de oposição reunidos na Aliança Democrática.

Em 1985, Tancredo Neves é eleito, mas morre antes de tomar posse. Em seu lugar assume o vice-presidente José Sarney, atual presidente do Senado, que governou o país por cinco anos.

A transição democrática, na opinião do cientista político da UnB, foi concluída em 1990 com a posse do primeiro presidente eleito pelo povo, Fernando Collor de Mello, que acabaria renunciando para evitar o impeachment. O vice-presidente Itamar Franco, hoje senador pelo PSDB-MG assumiu o governo. Ele foi sucedido por Fernando Henrique Cardoso (PSDB) que teve dois mandatos. Depois, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) governou o país por oito anos, o que, na opinião de Nogueira, consolidou da democracia brasileira, com a chegada de Lula, um operário, ao poder.

domingo, 24 de março de 2013

Por que ler Graciliano Ramos, 60 anos depois


* Por Meire Kusumoto
O escritor Graciliano Ramos com as netas Sandra e Vânia, filhas de Júnio Ramos / divulgação

No último dia 20 de março, a morte de Graciliano Ramos completou 60 anos. Seis décadas sem a caneta áspera e feroz do autor, que é um dos gênios da literatura brasileira e por isso o homenageado da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) em 2013. O distanciamento da data não torna a obra do escritor alagoano menos relevante. Ao contrário: é aí que se percebe como o termo imortal faz todo o sentido quando colado a autores como ele, que nem chegou a integrar a Academia Brasileira de Letras (ABL). Quase 80 anos depois da publicação de Vidas Secas (1938), um retrato cru das dificuldades climáticas enfrentadas no interior do Nordeste, o sertão tem a pior seca dos últimos 40 anos, de acordo com a Defesa Civil da Bahia.

No campo econômico e social, presente também em São Bernardo (1934), outro romance que se candidata a obra-prima de Graciliano, a situação não está muito melhor. No Índice de Desenvolvimento Humano, ranking da ONU que mede a qualidade de vida de cada país com base na renda per capita, expectativa de vida e escolaridade da população, o Brasil amarga a 85ª posição, segundo dados de 2012. “Por mais que tenham se verificado avanços no país, algumas questões seguem aguardando soluções estruturais e definitivas”, diz Dênis de Moraes, autor da biografia O Velho Graça (Boitempo, 2012). Eram essas questões que impulsionavam Graciliano, nas crônicas e na ficção.

Para o biógrafo, o escritor demonstrava sério compromisso com o destino do brasileiro, principalmente daqueles que sofrem e são explorados. “Ele faz de seus escritos um instrumento de interpretação e intervenção na realidade social e política do país”, diz. O próprio Graciliano reconheceu a motivação em entrevista Ernesto Luiz Maia, pseudônimo de Newton Rodrigues, em 1944. "O conformismo exclui a arte, que só pode vir da insatisfação. Felizmente para nós, porém, uma satisfação completa não virá nunca", disse.

O alagoano, que foi preso pela polícia política de Getúlio Vargas em 1936 sem motivo concreto, prisão que depois dará origem ao romance autobiográfico Memórias do Cárcere (1953), se mostra crítico e rigoroso com qualquer tipo de opressão -- social, política, econômica ou mesmo afetiva, o que pode em parte ser explicado pela difícil relação que teve com os pais, duros e distantes.

Essas motivações pautam tanto Memórias do Cárcere como, por exemplo, São Bernardo, romance crítico sobre um fazendeiro ambicioso que coisifica as pessoas e estraga uma relação amorosa. O já citado Vidas Secas, sobre uma família de retirantes em busca de sobrevivência, ao passo que o agudo Angústia, de 1936, fala de um homem, Luís da Silva, que sofre tanto por se sentir inferiorizado quanto por perder a mulher que ama para o maior rival no campo amoroso e social, o gordo e rico Julião Tavares.

Em comum, essas obras têm também o olhar amplo de Graciliano, que analisava tanto os coletivos humanos quanto os indivíduos. É o que Dênis de Moraes aponta como conexão profunda do autor com as variações e as manifestações da alma humana. “A obra de Graciliano reflete sensibilidade para com as aspirações, as vicissitudes e as expectativas dos homens na sua passagem pelo mundo”, afirma o biógrafo.

Assim, o autor consegue se comunicar com todos os tempos históricos, contextos e situações que envolvem o indivíduo.

Linguagem – O apuro da escrita de Graça, como era chamado pelos amigos, também é apontada como um fator determinante para a sua permanência. Seus textos primavam pela linguagem, bela mas sem penduricalhos, e eram revisados diversas vezes para chegar ao o essencial - e à forma correta. "Dicionário, para mim, nunca foi apenas obra de consulta. Costumo ler e estudar dicionários. Como escritor, sou obrigado a jogar com palavras. Logo, preciso conhecer o seu valor exato", disse o escritor em entrevista a Homero Senna, em 1948, com o jeito ríspido que se tornou quase folclórico. Na mesma entrevista, Graciliano decretou também, sério e certeiro: "Não há talento que resista à ignorância da língua".

É possível dizer que os textos contundentes do alagoano não tinham qualquer excesso para não colocar nem a linguagem nem o conteúdo em risco. É como se para o escritor não houvesse embate entre ética e estética -- as duas eram uma coisa só, trabalhavam juntas para contar uma história, sem ceder a vaidade ou clichês. “Da mescla entre contenção formal e revolta temática, o artista extrai a sua força, que o engrandece e o afasta de qualquer esquematismo redutor”, diz Thiago Mio Salla, organizador do livro Garranchos (Record, 2012), que reúne crônicas de Graciliano publicadas na imprensa.

Outro ponto alto do texto de Graça, segundo Miguel Conde, o curador da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) de 2013, que tem o alagoano como homenageado, é a maneira como ele relaciona a linguagem com a experiência de vida das personagens, especialmente em Vidas Secas, em que o sertanejo Fabiano e a família têm uma linguagem gutural. “O livro é muito mais que um simples romance documental, preocupado somente com as condições sociais do sertão brasileiro. Poucas pessoas abordam tão a fundo a relação entre linguagem e compreensão de mundo como Graciliano em Vidas Secas, diz Conde.

No entanto, ainda que se expresse pelo uso da palavra escrita, o alagoano e sua obra estão longe de ser objeto de estudo somente de pesquisadores de literatura brasileira. Como lembra Mio Salla, multiplicam-se trabalhos de mestrado e doutorado sobre o autor nas mais diversas áreas, como educação, história e ciências sociais, que abordam diferentes aspectos de seus livros. “Graciliano Ramos é um dos principais artistas e intérpretes do país.”

Seus livros conseguem de fato, e com maestria, ultrapassar limites de disciplina teórica, data, local de publicação ou contexto histórico, e até hoje são lidos por aqueles que se interessam em conhecer um clássico universal da literatura. De acordo com Sylvio Back, diretor do documentário O Universo Graciliano, um perfil feito a partir de entrevistas com conhecidos do autor, a modernidade do escritor, a quem chama de “esfinge”, é inconteste. “Ele deixa uma obra sólida e incólume, inoxidável às intempéries político-ideológicas de seu tempo.”

Sim, Graciliano Ramos precisa ser lido.

Fonte: Revista VEJA

domingo, 17 de março de 2013

Diferença entre Patrimônio Brasileiro Material e Imaterial

Patrimônio brasileiro


Material e imaterial
O Patrimônio Cultural pode ser definido como um bem (ou bens) de natureza material e imaterial considerado importante para a identidade da sociedade brasileira.

Segundo artigo 216 da Constituição Federal, configuram patrimônio "as formas de expressão; os modos de criar; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; além de conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico."

Carnaval com bonecos gigantes faz parte do Patrimônio Imaterial
Breno Laprovitera/Embratur
  • Carnaval com bonecos gigantes faz parte   
  • do Patrimônio Imaterial
  No Brasil, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) é responsável por promover e coordenar o processo de preservação e valorização do Patrimônio Cultural Brasileiro, em suas dimensões material e imaterial.   

Os bens culturais imateriais estão relacionados aos saberes, às habilidades, às crenças, às práticas, ao modo de ser das pessoas. Desta forma podem ser considerados bens imateriais: conhecimentos enraizados no cotidiano das comunidades; manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas; rituais e festas que marcam a vivência coletiva da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social; além de mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e se reproduzem práticas culturais.

Na lista de bens imateriais brasileiros estão a festa do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, a Feira de Caruaru, o Frevo, a capoeira, o modo artesanal de fazer Queijo de Minas e as matrizes do Samba no Rio de Janeiro.

O patrimônio material é formado por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas. Eles estão divididos em bens imóveis – núcleos urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais – e móveis – coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos.

Entre os bens materiais brasileiros estão os conjuntos arquitetônicos de cidades como Ouro Preto (MG), Paraty (RJ), Olinda (PE) e São Luís (MA) ou paisagísticos, como Lençóis (BA), Serra do Curral (Belo Horizonte), Grutas do Lago Azul e de Nossa Senhora Aparecida (Bonito, MS) e o Corcovado (Rio de Janeiro).

Fonte:Iphan 

O Príncipe - Maquiavel

Fonte: Faculdade Sul-Americana (FASAM) Goiânia Texto do Professor: Alexandre Francisco de Azevedo Disciplina: Teoria Geral do Estado & Ciência Política

" Nicolau Maquiavel, autor do livro intitulado “O Príncipe”, escrito no ano de 1513, em Florença, na região italiana Toscana, viveu entre 1469 e 1527, tendo a primeira edição de seu opúsculo publicada postumamente, em 1532. Neste ano, após a dissociação do governo da cidade e a volta da dinastia Médici ao poder, Maquiavel foi preso, inculpado de tramoia e conspiração.

O pontífice Leão X, entretanto, concedeu-lhe remissão e, assim sendo,Nicolau retirou-se da vida pública, após ter ingressado na carreira diplomática num período em que Florença vivia uma República, após a destituição dos Médici do poder, passando, a partir de então, a escrever suas grandes obras. É considerado um dos principais intelectuais do Renascimento, pois inaugurou o pensamento político moderno, sendo, portanto, considerado o pai da Ciência Política e um dos fundadores da base da legitimação do poder, tão necessária em meio a constantes períodos conturbados da vida política pretérita e hodierna.

É necessária uma contextualização histórica para que, só assim, possamos compreender os motivos que influenciaram e impulsionaram Maquiavel a escrever tão bela obra, detentora de experiências vivenciadas pelo autor e observadas pelo mesmo desde a Antiguidade Clássica - quando cita exemplos gregos, romanos e de vários outros povos - até a Idade Média e início da Idade Contemporânea, quando da instável disputa política pelo controle e manutenção territorial das cidades-estados da Península Itálica.

Alguns estudiosos especialistas na área dizem que Maquiavel escreveu a obra para tentar obter confiança do duque de Urbino, Lorenzo I de Médici (1492- 1519), a quem fez uma dedicatória no término da obra, creditando neste a possibilidade de angariar um cargo público novamente, fato não consubstanciado.
Deixando aquém todos os interesses políticos e subjetivos que levaram Maquiavel a escrever a obra, dirijamo-nos para o principal assunto abordado no texto, dotados de imparcialidade: os tipos de principados, as formas de governá-los, mantê-los e ampliá-los, ou seja, o paradigma aparentemente paradoxal a ser seguido, caso ambicionarmos nos tornar exímios príncipes.

Já no início do livro, define os principais tipos de principados, que os são o hereditário, o novo e o misto, devendo o príncipe possuir grande diligência quanto à arte de guerrear para que logre êxito em sua sucessão, no primeiro caso; em sua conquista, no segundo; e, por derradeiro, em sua invasão e inclusão ao velho principado, devendo, em todos os casos, possuir maior atenção em relação às formas pelas quais conseguirá mantê-los sob seu domínio. Além disso, afirma que, na prática da guerra e na manutenção do poderio, os príncipes são guiados pela fortuna, isto é, pela sorte e circunstâncias, ou por suas virtudes, ou seja, pelos seus méritos, qualidades e valores.

O principado hereditário é relativamente fácil manter, porquanto o herdeiro é aceito por seus súditos facilmente, mantendo-se soberano sem obstáculos, a menos que uma força maior o destitua. Em contrapartida, o principado novo é o que demanda maior diligência por parte do príncipe, uma vez que o mesmo que tomou o poder será imediatamente avaliado pelos novos súditos, que acreditam poder melhorar de condição amotinando-se contra o novo dominador, que deverá não apenas oprimi-los, mas também agradá-los, e honrar a dívida para com os provincianos que dominou.

Os principados mistos, por sua vez, demandam também grande zelo, uma vez que acostumados a outras culturas, haverá divergências de línguas, leis e costumes entre o novo e o velho principado. Porém, a fim de precaver um possível infortúnio, Maquiavel nos diz a forma para o tolhermos, sendo preciso extinguir a linhagem de sangue do príncipe anterior e não alterar as leis vigentes, nem o fisco. Assim, em diminuto tempo, o novo principado será totalmente anexado ao antigo.

Maquiavel diz, ainda, que a guerra não se evita, apenas se adia em favor de outrem e a posterga, sendo vantajoso apenas para o oponente, dado que o ser humano possui como característica inata o desejo de conquista. Ademais, recomenda que todo tipo de insurreição interna, por mais que seja propedêutica, abolida na raiz seja, porquanto não se pode empreender uma guerra sem preparo para tal.
Sendo uma forma dos homens serem louvados ou vituperados, recomenda-se que seus objetivos e pensamentos estejam permanentemente voltados à guerra, dado que é a atitude esperada e inerente ao exercício do poder, pois é a arte de quem comanda. Afirma, ainda, que o príncipe deve manter a fama de cruel, pois isto auxilia a manter a tropa unida e disposta ao combate. Além disso, visto que a guerra traz prestígio, recomenda aos mesmos que empreendam grandes campanhas militares para legar memoráveis exemplos de si mesmos, pois não há nada, além disso, que faça um príncipe quisto.

Há duas formas de transmutar-se de homem privado a príncipe, seja elas por meios execrável e celerados, ou graças ao favor de seus concidadãos. Na primeira, incluem-se os soberanos que tomaram o poder por atitudes criminosas, como massacres, traições, crueldades, assassinatos e selvageria; na segunda, o soberano constitui um principado civil. Para obtê-lo, diferentemente dos demais, não é preciso fortuna, nem virtude, mas astúcia e apoio popular ou dos poderosos.

Segundo Maquiavel, ao tomar um Estado, o príncipe usurpador deve fazer a maldade de uma só vez, para que não seja apreciada vagarosamente pelo paladar da população, devendo praticar a violência com um só golpe. Diferentemente dos benefícios, que devem ser feitos aos poucos, para que as pessoas os apreciem por longo período, e esqueçam as coisas ruins pretéritas, tranqüilizando os súditos e os seduzindo.
Discorrer sobre os principados eclesiásticos, para Nicolau, seria presunçoso e temerário, uma vez que estes são manteúdos por antigas leis religiosas, louvados e mantidos por Deus, pois, sendo governados por razões superiores, que a mente humana não alcança. São tão insignes que, não importando como os príncipes vivam ou se comportem, conseguem os conservar no poder.

Há uma distinção entre os soldados próprios, mercenários, auxiliares e mistos. As armas próprias são aquelas compostas por cidadãos, súditos e vassalos, sendo a mais segura de todas, pois, sem elas, o príncipe fica inteiramente à mercê da fortuna; as mercenárias combatem não por lealdade, mas por interesse ou dinheiro, pois são inúteis e perigosas, uma vez que são desunidas, indisciplinadas, ambiciosas e infieis; já as auxiliares, solicitadas a outro poderoso para que o defenda, são piores que as anteriores, porquanto assim que tiverem a oportunidade de destruir-lhe, o farão, caso seja menos poderoso que aquele; numa mistura das anteriores, obtemos as armas mistas, cujo próprio adjetivo já ostenta o significado e importância momentânea da mesma.

Nos tempos quiescentes e brandos, Maquiavel ainda nos recomenda a estarmos em constante treinamento à guerra, caso esta nos surpreenda, através da faculdade de conhecer bem o território, para localizar o inimigo, montar acampamentos, fugir às emboscadas, conduzir a tropa, organizar expedições, armadilhas e, em boas situações, assediar outras províncias. Um excelente exercício também é a observação dos soberanos anteriores, da forma como conduziram as guerras, analisando os motivos de suas vitórias e derrotas. Deve aproveitar, pois, este período com destreza, para que quando sua fortuna for mudada e advierem as adversidades, esteja preparado para o combate.
Os principais vícios e riscos que colocam em perigo o governo do príncipe, segundo o autor, é ser miserável, avarento, rapace, desleal, sanguinário, efeminado e pusilânime, lascivo, soberbo, inflexível e incrédulo, devendo estes adjetivos ser extintos ou, pelo menos, raros a um príncipe.

O livro também nos exorta quanto à liberalidade, sendo esta um fator perigoso no que diz respeito a ser fausto e luxuoso, pois sobrecarrega a população de tributos e arrecadações, necessárias para manter a reputação do príncipe, o que fará com que este seja odiado ou desprezado pelos súditos. Para Maquiavel, entretanto, ser liberal é uma vantagem ao dominador, desde que seja comedida; outrossim, em benefício dos cidadãos, ele não deverá se importar com o labor de avarento, pois o deverá ser para manter a parcimônia e evitar que seus cidadãos empobreçam.
É preciso, sobremaneira, inspirar temor sem promover o ódio, em uma alusão maquiavélica, pois é preferível e mais seguro ser temido, que amado, porquanto é difícil conciliar as duas coisas, dado que o vínculo de amor entre os homens é frágil, uma vez que é mantido por reconhecimento e passível de ser rompido pelo egocentrismo.

Nas palavras de Maquiavel, os homens se esquecem com maior rapidez da morte de um pai que da perda do patrimônio, pois eles são essencialmente maus e, em geral, são ingratos, dissimulados, inconstantes, avessos ao perigo e gananciosos; sendo assim, é precípuo e fundamental que o príncipe não o ameace e, máxime, também não tome as mulheres de seus concidadãos, a fim de tolher as insurreições internas e não ensejar o ódio à população.

Para o autor, ainda, existem duas matrizes de combate, sendo a primeira o combate por meio das leis, e a segunda por uso da força, própria dos animais; sendo a primeira matriz um tanto quanto ineficaz, torna-se necessário evocar a segunda. O príncipe precisa ser raposa e leão, metaforicamente, visto que a raposa tem grande astúcia e o leão muita força, combinação perfeita para proceder com inteligência, sabedoria e vigor, quando necessário.
Maquiavel recomenda, outrora, que o príncipe tenha atitudes humanitárias e munificentes para com o cotidiano da cidade e a vida civil econômica, sem, no entanto, deixar de manter a majestade de seu posto, estimulando os cidadãos a exercer seus ofícios no comércio, na agricultura e em outras atividades; oferecer hospitalidade aos homens virtuosos e aos artistas; assegurando o direito à propriedade e incitando a abertura de novos negócios, sem que os tributos sejam um empecilho à atividade mercantil. Ademais, deve promover espetáculos e festas, reunindo-se com a comunidade, conhecendo os bairros e corporações, valendo-se da política do pão e circo.

O príncipe não pode se apoiar por inteiro na fortuna, segundo Maquiavel, pois ele se arruinará tão logo as circunstâncias mudem, porquanto a fortuna determina apenas parte das ações humanas e a outra parte é governada pelo livrearbítrio, podendo, sim, os homens mudarem o mundo – ao contrário do que muitos pensam que este é governado apenas pela fortuna e por Deus. Muitos ainda acham que não vale a pena lutar pelo curso das coisas e, por isso, deixam se conduzir pelo destino e pela sorte.

Maquiavel ainda compara a fortuna a um rio caudaloso e devastador, que com suas águas enfurecidas alaga planícies, derruba árvores e faz ruir construções, quando tomado por ímpeto. O príncipe precavido, entretanto, constrói diques, barragens e canais de irrigação para que, quando advir a impetuosidade do rio, seu principado não seja assolado pela fúria das águas, uma vez que estas são distribuídas com destreza aos canais previamente construídos. Se a virtude não lhe colocar freios, portanto, a fortuna demonstra toda a sua potência; o autor compara, igualmente, a fortuna à mulher, que é favorável aos jovens, pois são menos respeitosos, mais ferozes e audaciosos, comandando com maior facilidade. É melhor ser impetuoso que prudente, portanto, para comandar a fortuna, pois apenas por meio da virtude um príncipe pode vencer a instabilidade da fortuna e, assim, conservar seu território."