EMMANOEL GOMES É HISTORIADOR,
PROFESSOR, ESCRITOR E MEMBRO DA AVL.
ACADEMIA VILHENENSE DE LETRAS
emmanoel-mardulce@hotmail.com
Sou tentado a escrever sobre o centenário de um dos mais importantes patrimônios históricos do estado de Rondônia. É com profunda ternura que informo ao precioso leitor que as palavras que se seguem são de alguém que ao lado de uma significativa lista de professores, artistas, intelectuais e historiadores, sofrem com o rumo dado ao nosso patrimônio público.
Gostaria de construir um texto alegre e festivo, porém, estranhamente, no centenário dessa ferrovia muito pouco temos a comemorar.
A Estrada de Ferro Madeira Mamoré atinge o seu primeiro centenário e, fora a saudade do apito anunciando sua existência, o ar de modernidade que ela transmitia em região tão isolada, a ideia de cidade ativa, múltipla e viva que um dia existiu, hoje, se transformou em um monte de entulho entre Porto Velho e Guajará.
A “modernidade” levou a paz, levou também o ambiente pacato e saudosista de tempos em que as pessoas se conheciam ao longe quando se viam. A cidade de outrora foi transformada em um ambiente frustrante de violências e mazelas de toda a sorte.
A trajetória da Madeira Mamoré foi marcada por problemas, sofrimentos e momentos fantásticos. Na atualidade a marca é a do desprezo e descaso por parte de uma geração que não aprendeu a degustar os valores da memória e cultura historiográfica que sua sociedade congrega.
A construção desse mito amazônico ocorreu em uma condição tão terrível que ao lado do canal do Panamá, é vista por alguns, como uma das obras mais difíceis de ser realizada na história humana.
O número de mortos lembra uma grande guerra, não existe uma única estatística séria que dê contas do número das vítimas dessa grande epopéia.
Manoel Rodrigues Ferreira em sua obra “A Ferrovia do Diabo” se atêm as vítimas que passaram pelo Hospital da Candelária anunciando o número de mortos entre 1907 e 1912 em 1.552. Mais tarde, na mesma obra aumenta o número dos mesmos, numa espécie de correção ou dor de consciência, para 6.208.
Lembro, que nas estatísticas, não estão incluídos os milhares e milhares de índios que eram vistos como inimigos da civilização e que foram mortos sem grandes problemas.
Não tivemos na história da Madeira Mamoré um padre como Antônio Vieira, que deixou na literatura portuguesa um legado em defesa dos índios brasileiros e da região Amazônica no período colonial.
O único personagem histórico dessas bandas a tentar civilizar os povos indígenas foi Rondon, porém não atuou durante a construção da estrada de ferro Madeira Mamoré, pois estava ocupado no estudo das fronteiras e construção do telégrafo.
O fato, é que a desgraça rondou a história dessa ferrovia, que ainda é envolvida em grandes esquemas de pilantragens e corrupção.
A Madeira Mamoré custou muito caro aos que ousaram enfrentar a realidade amazônica do final do século XIX e início do século XX.
Dessa forma, não podemos deixar de reconhecer sua importância histórica e cultural. A ausência de postura dos governos, autoridades e demais pessoas que colaboraram e colaboram para seu abandono deve ser questionado sempre.
A história da Amazônia é marcada por esse tipo de situação, muitos dos delírios capitalistas milionários manifestos aqui viraram pó.
Podemos citar uma infinidade de obras que por falta de estudo, pesquisa, planejamento, seriedade e respeito aos valores da floresta, rios, seus povos, culturas e sua realidade, produziram desgraças que feriram carnes, ossos, sentimentos e espíritos dos que aliciados ficaram desprotegidos em tão terrível absurdo mundo inóspito.
O Real Forte do Príncipe da Beira, estrutura gigantesca construída em meio à selva entre os anos de 1776 e 1783, não chegou a ser utilizada, sua construção foi equivocadamente autorizada no período em que as minas entravam em declínio e os espanhóis por sua vez não possuíam mais interesses na região em crise.
A Fordlândia, outra catástrofe , localizava-se no estado do Pará em Itaituba, próximo a Santarém, não resultou em outra coisa que não fossem grandes prejuízos.
Usina Hidrelétrica de Balbina que gera a energia elétrica mais cara do Brasil, o rio Uatumã é completamente incompatível com o projeto, um dos maiores problemas ambientais da Amazônia foi gerado ali, pois a região é completamente plana e o lago formado foi muito maior que o planejado e previsto.
Transamazônica, essa história resultante da “inteligência militar brasileira” é bem conhecida de todos, milhões foram investidos em um projeto rodoviário que não recebeu os assentamentos e um ano após foi destruído pelas chuvas torrenciais.
Neste cenário de irresponsabilidade podemos Alencar, infelizmente, mais de uma centena de projetos bilionários que alimentam lobbies, corrupção e todo o tipo de mazela.
Ainda hoje investimentos são feitos através de mega projetos que deixam um rastro de destruição e caos social.
Infelizmente se enquadra nesse cenário a Madeira Mamoré, projeto que ao ser concluído, viu os preços da borracha despencar no cenário econômico e sua utilidade desaparecer.
Uma história com dramas humanos dessa proporção mereceria um destino que não fosse o lixo, pois ela é uma prova da força e coragem e determinação humana.
Ver a ponte do Jaci dentro do rio e parte significativa do barranco do Madeira assorear, em função da irresponsabilidade de grandes empresas, em um período onde as condições tecnológicas permitem todo o tipo de ensaio e previsão é no mínimo criminoso.
As ações públicas que estão sendo feitas no pátio da Madeira Mamoré são simplesmente eleitoreiras, não foram discutidas com a sociedade, nem mesmo com os militantes que por décadas defendem a reativação e restauração de parte da ferrovia.
Os vagões estão sendo usados por drogados e mendigos como banheiros, e para piorar, nossas autoridades não conseguem impedir que a localidade ao longo dos trilhos entre a Praça Madeira Mamoré e Santo Antônio das Cachoeiras amargue altos índices de violência, prostituição e tráfico de drogas.
Quadro que ofende profundamente o morador simples e pacato do “Triangulo” que tem sido a grande vítima de todo o processo amargo e sofrido, no tal “desenvolvimento urbano e social de Porto Velho”.
Uma vez, é claro que não vão lembrar, defendi junto à prefeitura de Porto Velho que qualquer ação de restauro, reconstrução, maquiagem, ou algo parecido, precisaria ser precedida de uma ação que garantisse ao cidadão segurança, paz e tranquilidade. Coisa que nunca aconteceu.
Sugeri a construção nas proximidades de uma estrutura que pudesse dar condições de trabalho aos policiais militares, pois até eles evitam a região nas noites em finais de semana.
Visitem os armazéns número um e dois, que foram recentemente restaurados e que consumiram ao lado da praça alguns milhões de reais, estão precisando de um novo restauro. Visitem o cemitério da Candelária que também foi restaurada é vergonhosa.
A atuação pública em relação ao nosso patrimônio público foi pífia, amadora, coisa de pilantras ou no mínimo de gente com muita má fé.
Em Rondônia boa parte das autoridades parecem ter feito um pacto contra a saúde, educação, segurança e contra os patrimônios históricos.
Na atualidade, a prefeitura está em conjunto com a empresa Santo Antonio Energia restaurando a rotunda e o galpão onde funcionou a oficina, novamente milhões serão muito mal gastos, pois sem uma política social e cultural contínua e sem a presença de uma ação policial humana que garanta segurança e bem estar dos de bem, estaremos preparando novos banheiros para os degredados e marginais que tomaram posse da localidade.
Não gostaria de construir um texto tão duro e mal humorado, porém não posso entrar na fila dos cegos, surdos e mudos, sempre soube que fui manco! Cego, surdo e mudo social, jamais.
Quem se cala, se faz de gato morto, ajuda aos que se beneficiam com o triste rumo dado ao nosso rico patrimônio histórico e cultural.